segunda-feira, 27 de julho de 2009

Uma valsa


Nadar

Acorda. Acorda. Acordo. Ensonada dirijo-me para a roda. E começo a andar. Faço movimentar a roda. Devagar ela começa a rodar. Esta roda de parafusos enferrujados e falta de óleo. Caminho. Sem sair do mesmo sítio visualizo uma parede castanha diante dos meus olhos. O meu horizonte é uma parede castanha. Penso em embelezar a parede castanha. Dar-lhe um tom pimenta, ou rosa choque. Imagino. Em soluços a parede vira rosa. Vermelho. Laranja. Mas nunca rosa choque. Desisto e coloco-a da cor castanha. Reconstruo. Imagino que é da cor castanha que a quero. Que sempre sonhei ter na minha frente uma parede castanha. A roda acelera. As minhas pernas ganham um ritmo mais vibrante. Eu, a roda e a parede castanha. Uma roda roda comigo em cima. Uma roda de ratos. Uma roda de humanos. Uma roda estúpida.

Tenho uma história para fazer. Duas. Ou três. Creio que são várias mas é cedo e eu tenho todas as canecas vermelhas por lavar.

- Viste-a?
- Sim. Passou aqui. Trazia um vestido preto.
- Disseste-lhe?
- O quê?
- Que a amavas?
- Sim, disse. Enquanto lhe abotoava a presilha do sapato.
- E ela?
- Ela suspirou. Correu e saltou para o eléctrico. Via-a despaarecer pendurada na porta traseira do eléctrico.

Por vezes. Somente por vezes. Às vezes. Nestas manhãs. Nestas madrugadas. Olho em mim. Olho nas pessoas. Olho em todos nós. E sinto. Sinto que somos formigas. Que andamos todos de olhar no chão. Que por vezes cruzamo-nos. Que nos tocamos. Que movimentamos ligeiramente o pescoço de forma a vermos o que nos tocou. Que preguiçosamente. Que indiferemente olhamos. Olhamos em frente. Ou de lado. Que esboçamos timidamente um gesto para verificar de onde vem o que sentimos. E... e depois. Depois. Seguimos. Seguimos em frente. Recolocamos os olhos no chão. Ou na barriga. E seguimos. E tudo isto é solitário. Tudo isto é silêncio. Tudo isto é vazio. Tudo isto é falta de gente. Tudo isto é egoísta. Tudo isto é medo. Tudo isto é falta de coragem. Tudo isto é não esperança.

Jogos. Casinhas. O jogo das compras. Da paixão. A mim sempre foi fácil cumprir papéis. Ou não. Adapto-me facilmente. Sou cumpridora. E dedicada. Esforço-me. Levanto-me cedo. Dou-me. Entrego-me. E. E cobro. Cobro na mesma moeda. Cobro a mesma dedicação. A mesma entrega. O mesmo esforço. E. E rapidamente sinto-me insatisfeita. Mas é mais fácil saber o que me é pedido que o de ter de agir espontaneamente. Ter de ser eu. E quem sou eu? Não é importante. Importante é tomar banho, vestir-me e estar a horas no local marcado. Isso é importante. Importante é ter café na caneca. E rodelas de chouriço no caldo verde. E um couto de vela para as noites de Inverno. Isso é importante. Mas é isto. É isto. O importante é isto.
Só. Raramente me sinto só. Mas esta manhã. Agora. Neste momento. Sinto-me só. E não é solidão. É só. Só o quê? Só. Só isto. É isto? Só isto...

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