segunda-feira, 20 de julho de 2009

Cruz Quebrada


Nicholas Sinclair

Um livro sobre a mesa. Dois livros. Três. As possibilidades. E a existência da impossibilidade. Na minha vida há sempre impossibilidade. Em mim. Ou exterior a mim. E sinto um pequeno vazio a invadir-me. Refugio-me aqui. Na música. Nele. Vale tudo menos parar. Sentir. A falta. Um pedaço de mim. Vamos colocar vírgulas e pontos. E ter saudades. E alimentar saudades. E. Não sei. A música é forte. Tem batida industrial. E os meus olhos fecham-se. De sono e cansaço. De querer não dormir porque me é difícil. Ainda o é. Desde que o conheci que o meu corpo rejeita a cama. Foi há quanto tempo? Parece uma eternidade. E foi ontem. Ou antes de ontem. Foi num dia em que quis atravessar a ponte a correr. Mas decidi-me. Está decidido. Cala-te. Cala-te.

E puta de música forte. Dá-me vontade de... sim espelhar-me animal! De sair e olhar nelas e neles. De ser labrega. E ordinária. De vazar e encher. Verbos. Todos os verbos. Possíveis e impossíveis de dizer. Gostas? Assusto-te? É. Sinto-me assim e nada mais posso dizer. Mas não temas. Não temam. A mim foi-me ensinado o dever antes do prazer. A minha felicidade depende da entrega do IRS no primeiro dia? Não, mãe. Eu apenas quero amor. Sim, sexo. Também. Sim, também.

E dormi. E hoje já é outro dia. Cansei-me e dormi. Porque o sono é sempre reparador da pele e dos dedos. E parece ou parece-me que já me habituei ao silêncio. Que o começo a aceitar. E que começas a ser memória. Restou-me o sal e a pimenta. E falemos de produtividade. A produtividade de quem como eu gosta de fazer. Mas não lhe apetece. Não me apetece. Queria estar aqui sozinha, com o ouvido na rua, um olho no chão e outro na parede.

Perguntei-lhe se não queria sair. Podíamos passear. Ir a um jardim. A um museu. A uma exposição. Mas não. Que não. Tinha medo de cair. Que chatice. Que chatice. Então fiquemos aqui. Conversemos. Queres ver o documentário do António Barreto? Mas não, que não. Que chatice. A chatice de sermos velhos e já tudo termos visto. Serei e sou diferente. Sou? E conversemos. Fala-me. De ti e do meu pai. Houve amor? Quando? Por quanto tempo? Que chatice. E tu não contes isto às tuas irmãs. Não, mãe esteja descansada. Já me esqueci. Só me lembro que não era para contar. Lembro-me que me pediu segredo mas não lembro dele. As irmãs Brontë são chatas. Sim, chatas. Sim a Emily e a Charlotte são anjos em cima dos quais urino. Txiiii... E essa outra da Jane Eyre também, ainda que eu fosse adolescente e sonhasse em casar frente a um altar. Mas só com ele. Com aquele homem loiro por quem me apaixonei. O que tinha uma quinta e montava tractores como se fossem cavalos. E que aos meus olhos parecia um príncipe. O que me abraçou e enrolou nos braços. E sentiu culpa. E eu a querer. E ele em culpa. A impossibilidade. Quer um chá? E feijão verde? Uma caneca de feijão verde. Sabe mãe, eu nunca vi um beijo seu no pai. E tudo isso é muito estranho.

Existe um círculo e eu ando aqui à roda. O poço da morte. Ou da vida.

Sem comentários:

Enviar um comentário