domingo, 19 de julho de 2009

Dorothy


Jan Saudek

Eu quero falar de ti. Quero porque aprendi a olhar-te. Na penumbra. Eu de camisa. Tu de cuecas. Ou boxers como dizes. Cuecas. É estranho. E não sei se algum dia entenderás a estranheza. Se visualizarás o mesmo. Digo-te que no passado, olhando em mim, via algo estranho. Como se as feições do rosto pudessem mudar de tal forma que deixava de me assemelhar. E nessas alterações, nessas transformações e mutações, eu podia ser a mais bela das mulheres. Ou a mais feia e banal. Eu podia encantar qualquer mortal. Ou passar entre multidões sem olhos. E é isso. É isso que visualizo em ti. Sou o teu espelho. E há alturas. Posições. Perfis. Em que tu és o homem mais belo jamais concebido. Em que o teu sorriso é perfeito. E o olhar. O riso. A tesão. Há momentos em que estando eu por cima, por baixo, de lado, no sofá, à mesa, na cozinha, eu olho, em ti, para ti, e tu tens um rosto de jovem romano, intemporal. Belo. Tão belo que me calo. E deleito-me. E fico séria. De olhar em ti. Extasiada. A querer parar o tempo. Os minutos. E captar. Registar e beber de toda essa beleza que emana do teu rosto. Que chega a mim e me fascina. E surpreende. E silencia.

Que preferes? Que te lamba o cu com a língua em espátula ou te penetre insistemente com ela afiada?
Sorrio. Perdoa-me.

Necessito de música. Tão baixinha que para ouvi-la não posso escrever. Tenho de parar de pressionar as teclas. Está abafado. E a minha casa é um delírio. É um prazer revelado. Em roupa espalhada, loiça por lavar, livros pelo chão, homens que repousam na minha cama, móveis deslocados, poesia. Há poesia em minha casa. Memórias que ainda não o são. E quando forem cheirarão a sexo, a transpiração, a roupa molhada. Sair para a rua vestindo a camisola que está embrulhada sobre a mesa e as calças mal dobradas na cadeira. Despenteada. Borrada. Em banhos tomados para despertar os sentidos que se querem vivos. Exaltados. Despertos. Tomar banho para que continuemos nesta dança de nos darmos e partilharmos. Em palavras e penetrações. Em olhares tímidos e obscenidades oralizadas. Em querer continuar com pontas de medo do término. Porque sabemos que pode esgotar. Ou mudar. Ou não. Porque por vezes é apenas aquele momento. Eterno.

Vou tomar banho e depois... depois acordo-te com um broxe.

1 comentário:

  1. Tens umas mudanças de registo que resultam muito bem. Mas o jovem romano que o diga... :-)

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