domingo, 12 de julho de 2009

Domingo


Fernando Carneiro

Baralho-me. Interrogo-me. Não sei. Não sei o que pensar. Está calor. Sol. Luz intensa. Acordei com uma miúda de calções. Loira de cabelo encaracolado. Bonita. Mandava pedras de calçada a uma porta e chamava nomes. Porco. Porco. Jarvardo. Filho da puta. Quando a vi ela tinha-se sentado no degrau da casa em frente. Olhou-me em desespero. Bêbada. Triste. Revoltosa. Os caracóis pendiam-lhe na testa. Pensei na eficácia. Pedras contra uma porta... a eficácia dos ébrios. Sentia-a perdida. Perdidos da vida. Por uma noite. Por um dia. Por uma vida. Sim. Por uma vida. A mim foi-me dada a capacidade de prosseguir. Não sei porquê, nem como. De me perder sempre lucidamente. Tentei. Tentei ir sem voltar. Tentei ficar no lado de lá. Tentei pedir moedas na rua. Andar descalça nas calçadas. Mas... Mas nunca pertenci aquele mundo, tal como não pertenço a este.

Existem segredos nas ruas. Segredos que são sussurrados baixinho a quem passa. Muito baixo. Poucos os ouvem. Poucos param para os ouvir. Falam sobre as pessoas. Sobre os desejos. Sobre a perdição e os abismos. Sobre as vertigens de cada um. Das vontades e dos medos. Das inseguranças. Do amor. O tal que é procurado, alimentado para depois ser esquecido. Que é idolatrado para depois ser colocado na prateleira junto à caixa das bolachas. Ou ao lado do televisor, onde se possa ver. Um biblot a ganhar pó, que se limpa uma vez por semana. Que existe porque se limpa uma vez por semana. Ou de quinze em quinze dias. Existe para nos lembrar que amamos. Que é suposto amarmos. Ah, tinha-me esquecido amo-te!

Eu trabalho das nove e meia às seis e meia. E não se que te diga.

Existe uma solidão em todos nós. Seca. Em todos. Habita junto aos pés. Prende-se nos calcanhares. É constante. Está lá. Por vezes só sentimos quando paramos. Alguns não sentem. São incapazes de ter percepção do próprio corpo. Por vezes ela sobe e aloja-se no peito e na cabeça. Dá-nos outra perspectiva de vida. A minha anda-me agarrada à cona. À anos que ela não descola da minha cona. Ali fica mais perto da cabeça. Creio que é apenas por isso. Ou talvez não. A realidade é que tudo o que começa pela cona acaba nela. Engole-a? Não sei. Sei apenas que é subida. Que está sempre mais subida que o suposto. Mas gosto dela. É criativa. É imaginativa. Um propulsor. Faz-me pintar as paredes da casa e forrar caixas de cartão com tecidos.

Eu hoje não trabalho. E não sei o que te diga.

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