sábado, 18 de julho de 2009

Terceira


Pierre & Giles

Um momento de ternura. Um momento em que me espelho em letra Trebuchet. Em que me inclino e te beijo. Na memória. Na minha memória esse teu sorriso e postura de miúdo. Gosto de ti. Sorrio. Oiço música de cabaret. A lembrar os cabarets dos anos 50. E recordo-me do Bruce. O Bruce tinha ar de cabaré rasca. De putanheiro proxeneta. Mas eu gostava da pinta dele. Das calças justas nas virilhas. Do cabelo puxado para trás com gel. Da forma como ele andava pelo bairro. O Bruce está velho. Vi-o um dia destes perto da tasca que abre às quatro da manhã e onde as prostitutas comiam antes de se deitarem. Se é que o faziam. Algumas, parece-me que estavam o dia inteiro ali. Naquelas esquinas urinadas. Sentadas em caixotes do lixo derrubados. Olhando em quem passa. Conversando sobre idas ao quarto. Vi-o. Ele não me reconheceu. Eu pensei em perguntar-lhe pela Beta de cabelo comprido oleoso. A Beta de pernas grossas e cintura fininha. Que pintava os lábios de carmim. Pensei em dirigir-me a ele e sorrir. Olhar-lhe nas rugas. Ver-lhe o tempo no cabelo, nos dentes. Ouvi-lo a contar-me histórias. Histórias de viagens, de putas, de prostitutas, de polícias e ladrões. De ladrões de pequena montaria. De ladrões de turistas e rurais ricos. A música continua e eu tenho vontade de fazer o Bruce meu amigo. De poder sentar-me numa tasca nestas tardes de Verão e beber-lhe palavras em forma de conto. De ir à Ribeira procurá-lo. De sentá-lo na mesa. De lhe pagar as cervejas para que me conte. As histórias de Espanha e das Canárias, e de quando ele foi embarcadiço, e a estiva... O frio e o calor da estiva. E as mulheres, toda a riqueza das mulheres na vida do Bruce. O amor, a paixão, as tatuagens, as drogas. Bruce. Conta-me histórias. Conta-me as tuas histórias. De pessoas apaixonadas e loucas. De pessoas em excesso a tentar sobreviver. E a rir. E a chorar. Porque todas as tuas mulheres foram cadelas pelas ruas. Eu sei. Tu contaste-me. E contaste-me de quanto as tinhas amado. Ou não. Qual tinha sido o calibre do uso. Da companhia e da falta desta. E a emoção de te ouvir. De ver-te espalhado nos olhos uma vontade de viver de criança. Uma mágoa por viver de velho. As tuas mulheres Bruce. Fala-me das tuas mulheres. Das insanidades que estas cometeram por ti. E em como tu as recebias. E aceitavas. Em como tu te deitavas na cama enquanto elas se vestiam para mais um dia. Para mais uma rua. Para e sempre a mesma rua. Fala-me dos anos em que viveste com duas mulheres. Em poligamia. Em comunhão. Em como escolhias com quem dormir. E com quem ter sexo. E como evitavas os filhos que não querias. Guardavas-te para aquela que um dia iria germinar a tua semente. Tu que não espalhaste filhos pelo mundo porque o mundo não te dá nada. Vem. Senta-te aí e conta-me. Não pares. Eu bebo água. Gelada. Oiço-te só de te olhar nos olhos. Sinto-te só de te ver esfregar as mãos. Bruce. Nestas tardes de Verão eu poderia ser tua amiga. Queres mais uma cerveja?

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