sábado, 11 de julho de 2009

Sabedoria


Guy Lemaire

Tenho frio.
Já te disse que sinto frio? Que estou arrepiada.
Que os meus pés encostam-se e sentem-se pedra?
Que estou cansada mas não consigo dormir?
Que alguma coisa me faz escrever, escrever, escrever?
Que sou repetitiva? Em círculos, sempre em círculos.
Que não consigo escrever sobre outra coisa que não sejas tu? Que escrevo e apago. Que escrevo e apago porque não consigo ser original.
Que vou na rua e penso em contar-te sobre a mãe que caminhava enquanto lia um livro ao filho? Que os dois empatavam quem queria passar mais apressadamente. E que calmos, com passos pequenos eles uniam-se na palavra como se estivessem imóveis e num mundo só deles?
Não sei se me arrepiei quando vi a 16677848. Não sei se foi um arrepio, se um calafrio, se um suor frio. Sei que fiquei pele de galinha e desejei começar a correr. Tenho cinco canecas por lavar. Cerca de sete colheres, um prato e dois copos. Tenho um cinzeiro com cinco beatas e um cd sobre a mesa. Tenho um saco de roupa por lavar e peças que ainda não apanhei na corda. A cama está por fazer mas vou deitar-me em breve nela. Os cabides estão cheios de roupa usada que vou ter de por para lavar e os sapatos que usei hoje estão no chão à entrada. A Catarina emprestou-me um chicote suave, mole mas extenso, que se encontra na mesa junto à porta. O sofá precisa de ser lavado, tu sabes porquê. O Vicente na parede tem pó. E as Verónicas estão cinzentas. O chão da cozinha precisa de ser lavado e os armários limpos. Preciso de comprar iogurtes sólidos e líquidos. Tenho isqueiros espalhados pela casa e maços de cigarro vazios. O portátil está aberto ainda que desligado. E a sanita partida ainda se encontra nas escadas.
Estes são os assuntos sobre o quais consigo escrever. Os únicos, exceptuando... tu.

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