sexta-feira, 10 de julho de 2009

Tradição



Andres Serrano

Ela podia dizer-lhe o quanto o desejava. Mas já o tinha feito. Ao seu ouvido. Já lhe tinha dito o quão apaixonada se sentia. O fascínio que tinha por ele. A tesão que ele lhe dava. Uma tesão que a fazia dar um sorriso largo e entre dentes gritar quando falava dele. Quando à sua amiga lhe dizia que à muito que não se sentia assim. Que não se lembrava de ter tido tanta vontade de se esfregar, foder, lamber, morrer... num homem. E como só a visualização dele a fazia tremer. Ela poderia dizer-lhe tudo isto. Novamente. Pedir-lhe desculpas pela precipitação. Pela impulsividade. Pela falta de paciência que ele também esboçava. Podia.

Podia falar-lhe de em como de 30 a 30 segundos olhava no telefone. Que mantinha a tesão. Que mantinha a vontade. Que mantinha o pensamento nele. Que tinha ido ao seu encontro e que este se remetera ao silêncio. Talvez ele pensasse. Talvez não soubesse o que dizer. Talvez apenas estivesse zangado. Talvez fosse orgulhoso. Talvez ele quisesse que ela rastejasse a seus pés.

Poderia dizer-lhe que a mão na chávena sobre a mesa branca lhe fazia lembrar ele. Que naquela mesa ela sentava-se a pensar nele. Que naquela mesa, com aquela mão, naquele copo, ela tinha sufocado a pensar nele. E que ainda sufocava. Ansiava. Via-o. Desejava-o dentro dela. Com a mão nela. Que eram quatro mesas. Quatro mesas brancas. Lado a lado. Duas a duas. Uma perto da janela. E essa era a dele. Ainda que nunca lhe tivesse tocado. Ainda que possa nunca se sentar junto a ela. Ainda que possa nunca comer nela. Ainda que nem consiga imaginar o branco dela. Essa mesa é sua. Nela ela respirava. Nela ela encolhia-se. E encolhe-se quando ele lhe tira a respiração.

Podia também falar-lhe nas escadas. Nas escadas que desce muitas vezes e que são dele. Degrau a degrau. Ele. Lembrava-se da vez em que descendo as escadas conversando com ele o tempo tinha sido eterno. A eternidade de conversar com ele. De o ouvir. A netcabo. O chocolate e a farinha. Daquela vez em que ela não aparecendo tinham ido ao seu encontro e a tinham visto de gargalhada pronta. Com ele. As escadas que ele não conhece. Mas são dele. Que ele nem sabe quais são. Mas são dele. E que estarão para todo o sempre associadas a ele. Ainda que ele não saiba. Ainda que não imagine.

Podia dizer-lhe que o livro aberto nas pernas era uma cópia do livro dele aberto nas pernas. Ele à beira de uma piscina. Ela numa esplanada. E poderia dizer-lhe tantas coisas mais. Em como por vezes não tinha forma de o contactar. Em como não queria aborrece-lo. Em como tinha receio de o incomodar. Em como desejava ser dele. Dizer-lhe que tirara uma foto às marcas. Mas que não enviara para não... não o quê? Porque se acanha ela, agora? Porque se sente mal com o que se passou. Com os gritos. Com a impulsividade. Talvez. Talvez porque receie que ele não a queira. Ou que ele... não sabe.

Ela poderia dizer que o esperava. Que o ansiava. Que aguardava poder mostrar-lhe e continuar a mostrar o quanto o adorava. E o quanto ele era especial. A quantidade de coisas que se via a fazer com ele. A viver com ele. Com o sorriso dele. Com a gargalhada dos dois. Em uníssono. Com tudo. Com nada. Enlaçados. Em tesão. Em espasmos. Entre saliva, urina e esporra. Ela queria sussurrar-lhe sou tua. Se ele deixasse... será que ele iria deixar? E querer? E ser sensível a ela e a todo o sentimento dela? Sabê-la mulher dedicada a si.

Ela acreditava que sim.

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