quarta-feira, 22 de julho de 2009

Lavagante


John Currin

Eu podia dizer-te que ando cansada. Que tenho trabalhado muitas horas. E que nessas horas não paro. Que ando, subo e desço. Que oiço, explico e faço. Que arrumo, abro e fecho. Que altero, coloco e retiro. Que obrigo-me a olhar na maquete. A perguntar se é azul, se é branco. A pedir que montem o varão do cortinado e a prateleira branca. Podia dizer-te que falo um português espanholado e que as savanas e as fundas nórdicas devem ser rosa pálido. Que as alfombras e os cojines são em rojo e el colgante devera se quedar en centro. Eu podia dizer-te que o mar se encontra no fundo de tudo isto. Calmo e pacífico. E que o Tejo acaba bem ali. Que as duas margens passam a apenas uma, enquanto fumo um cigarro na varanda que é refúgio. Que desesperei por um café. Que acordei às 6 e às 7. Que a casa é horripilante e sem harmonia. E que alguns ambientes são tenebrosamente castanhos e escuros. Que existem artigos que mereciam ser queimados. E que existem gostos que não podem nem devem ser discutidos. Podia dizer-te que aquelas mulheres me assustam e que a da fala castelhana, chamada de Joana, alta com cara de bebé, tem uns pés grandes que me fascinam. Olho neles sempre que passam. De unhas sangue de boi. De dedos espatulados. Falar-te da que está grávida e quer devorar este mundo e da quantidade de dúvidas com que fico depois de ouvir seis mulheres a decidirem de que cor pintar uma parede. Sim, fico tonta e com vontade de me sentar. De colocar as mãos na testa e cantar uma qualquer música. De escrever em papelinhos, dobrar e tirar à sorte. E que um deles seja Vou-me embora. E um outro Estou em greve. E mais outro Não diga disparates. E outro Porque não pensa antes de falar? E falar-te em como me pedem água, têm sede. Em como me pedem candeeiros, têm dúvidas. Em como me pedem cadeiras, estão cansadas. Em como me pedem. Pedem. Pedem. E eu subo e desço. E páro e penso. Por segundos. Por milésimos de segundos. E chupo num cigarro. O prazer que me é concedido. Ali. Sim, devíamos todos andar mais bem fodidos. Seríamos todos bem mais felizes. Uma boa foda obriga a um sorriso grande de manhã. A um cansaço que descomplica o dia seguinte. A gargalhadas de vida perante dificuldades. A minimizarmos o que não tem importância, o que nos molesta e abate. O que nos desgasta e entristece. Uma boa foda. Tem de ser boa. Mas se for boa é magia. Podia dizer-te tudo isto. Podia falar-te em tudo isto. Mas prefiro foder-te. E que me fodas. Prefiro sentir-te dentro a sentir o longo dia. Prefiro estremecer de prazer a tremer de impotência ou raiva. Sim, prefiro a foda. Uma boa de uma foda. Uma boa foda.

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