quarta-feira, 29 de julho de 2009

Absolutamente


Barbara Crane

Eu sento-me na mesa do canto. Aguardo por ti. Nas mãos um rosário de plástico brilhante. Vou rezando Pai Nossos. Ou serão Avé Marias? Não me perguntas. Não queres saber de nada a não ser olhar-me nas mãos. Ouves os meus lábios baixinho. Rezando. Orando. Estranhas. Estranhas que não estando lá, eu, esteja e te espere. Naquela mesa do canto. Espero que chegues. Que venhas. Que venhas ao meu encontro. Que te sentes na cadeira a meu lado. A que me pedem para levar. E eu deixo. Dar-te-ei a minha e ponho-me de quatro debaixo da mesa. Para te ver debaixo. Porque debaixo há sempre magia. Para que possas abrir as pernas comigo a fazer de sela. Debaixo. E de cima. Teme. Teme porque um dia levanto-me. Teme sem medo. Mas teme. Excita-te. Vou possuir-te.

As escadas de pedra tinham dez degraus. Creio que eram dez. Ou onze. Um aqui. Outro ali, outro acolá. Gastos, lisos, brilhantes. No Inverno alguns faziam pequenas poças. E sempre o medo. O medo de cair. O medo da vertigem daquele precipício. O medo de escorregar. De cair com os dedos sujos de massa de pão. Ai. Dá-me a mão. Subia. Um a um. Pé num. Pé no mesmo. Devagar. Os degraus serpenteavam a fachada da casa. E no topo alguidares vermelhos cheios de farinha. Posso? Empastava a boca da massa amarga a saber a campo. A Ti Casimira sorria-me. Sempre velha. Sempre igual. Come gaiata. Come. Azeda no estômago. O quente que está. A brasa no meu rosto. Obrigado Tia. Posso comer mais um bocadinho? Enfiar o dedo nesta massa amarelada e espessa e lambuzar a boca. Esconder os dedos sujos. Limpá-los nas calças. Obrigado. É amarga. E vira e revira o pão no forno. E a arte de trabalhar com a pá. De puxar e empurrar o pão no forno. Um dia também quero. Agarrar-me a esse pau e revirar o que estiver na sua ponta.

Vamos. O tanque está sujo. Vamos tomar banho com os limos e as canas. Vamos.
Ela atirou-se de barriga. Ponho um pé. Ela arrasta-se de costas. Ponho um pé. Empurro umas canas que flutuam. A minha mãe diz que tu és meio parvinha. És? Mas gosto de ti. Como gostei da Maria. Engravidaste aos treze. E tiveste de ser mãe quando nunca foste filha. Conheceste os prazeres da carne quando eu ainda me perdia pela boca com mãos nas ervilhas mamas. Eras tonta. Tu com o nome igual ao da minha irmã que não te falava. Por seres assim tontinha. Fascínio. Desejo por ti. Nos teus caracóis loiros. Sujos. O comeres a erva dos coelhos. O riso. Esse riso dos pobres de espírito. Poderoso. Deves ter dado o teu corpo com a mesma passividade com que entravas no tanque de água suja. Eras tonta. Mas eu entrei também. Queria ser tonta. Como tu. Afinal o teu sorriso era uma manhã de Sábado. Era o pátio do recreio. E pinhões já sem casca. Tonta. Tonta tu e tonta eu. Lembro-me de sentar no degrau junto à cruz e olhar-te. Uma matulona brincando com miúdos. Linda. Mulher. Rapariga. Mamas grandes. Corpo formado. Brincadeiras de apanhada. E os risos. Que risos. Uma força. Um íman. Mãe quando for grande quero ser assim. Tonta. Livre. Existe um cheiro a liberdade em quem corre assim.

Que fumas? Fumo tabaco. Eu JPS.
E tudo tem um simbolismo. Esta imagem. As tuas mulheres. E as minhas. Tenho algumas. Converto-as em palavras. As minhas mulheres. São do campo. E da cidade. Dos arrabaldes. Daqui e dali. Em comum têm... têm-me a mim. Porque eu vou. E dou. E recebo. E tiro. Roubo. E arranco. Sorrio. E rio. Apalpo. Deixo-me ir. Sou tomada e engulo. As minhas são fracas. Daí a sua força. Por sabê-las fracas. Por sabê-las potentes. Porque há muito que não se sentam. E eu ponho-as no meu colo. Ou corro de mão dada. E ambos sabemos que não são minhas. Mas chamemo-lhes assim.

2 comentários:

  1. No. We cannot clean the old dreams anymore. Does the body rule the mind, or just the mind rule the body????

    J.C.

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  2. Por não ser inocente invejo os inocentes. Recordando a cena seminal do filme "Idiotern" do Lars. O paraíso perdido certamente. Sem diozepam, ou o "Bom dia Portugal". Vivemos numa época terrífica e maravilhosa. Onde nunca foi tão fácil aceder à informação ou ser víctima da demagogia. Quem devemos admirar? O saudoso e tranquilo Thoureau do "Lake Walton", ou talvez o mais terrífico "Unabomber". Ambos são avisos. Que não estão a ser escutados. caminhamos intoxicados de televisão e internet, para um surdo suicidio moral. Já não há tempo. A falta de tempo vai ser a doença do século XXI. Falta de tempo para amar, para sofrer sinceramente para pensar. Tudo o que é mais íntimo é feito para nós, e servido como um hamburger do MacDonalds. Estamos a crescer tecnologicamente como disse mas a ficar cada vez mais infantis e egoistas, tudo passa e passa por nós. Os amantes fugazes e expresso, como os cafés amargos, os empregos fugazes, como os pensamentos. E os políticos sabem isso. E usam-no e usam-nos naturalmente. Também os filósofos. Eles que se levantem e falem. Não pedimos verdades. Pedimos coragem, sinceridade. reflexão... Nem que seja para recomeçar... algures.

    "Tchim pum, tchim pum"
    A banda passa;
    Tchim pum, tchim pum em marcha lenta.
    Democracia
    Conforto
    Alienação
    Anestesia
    Tchim pum pum
    A banda passa"

    E nós tambem nos passamos, naturalmente... :(

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