sábado, 31 de julho de 2010

Lixívia sem álcool


 Hyphen - Jenny Saville

- Meu amor ainda não são sete horas.

Existem umas cortinas verdes que tapam a janela de minha casa. São de rede e por detrás homens escavacam uma grade retirando-lhe a tinta branca que cai. São pedreiros longe dos meus sonhos. Longe da minha mão entre as pernas. Porque tudo o que é fantasia tem mais poder. Divago na tentativa idiota de fazer mais de 21.000 pontos.

Vou arrumar a casa. Devagar. Devagarinho. Arrumar o meu quarto. Devagar. Devagarinho. Arrumar a cozinha. Devagar. Limpar o pó à mesinha de cabeceira preta. Devagar. O cotão do chão nos livros. Lentamente. Tão lentamente que acabo por morrer. Velha. Velha de tão devagar. Com este caos que me rodeia e adoro. Faz-me sentir em casa. Dá-me prazer sujar os pés neste pavimento por encerar. Transpirar enquanto sacudo tapetes. Escrever com as mãos ásperas do pó e dos detergentes. A minha sedução está no sabão que envolvo num pano velho. No ajoelhar com cabelos presos. No ouvir Abba enquanto engomo, Liliana Filipe enquanto esfrego e Depeche Mode na varridela.


- Tenho sono.
- Dorme!- Não consigo.
- Já tentaste?
- Não.
- Então como sabes que não consegues?
- Sinto.
- E acreditas no que sentes?
- Sinto.
- Acreditar no sentir é…
- Batatas?
- Batatas.

Falaram nela como se fosse uma qualquer. A mulher. A mulher-mãe. A mulher-filha. A mulher-amante. A jovem eterna. Sempre jovem. E imagino-a tentando obter prazer daquele jovem talvez homo, talvez inseguro. Foi na rádio que ouvi. Uma mulher de timbre doce. O doce banal dos nossos dias. Uma voz. Consigo fazer-me entender?

Estou menstruada.
 

No fundo do palco a coelhinha mostra a tabuleta “RIR”.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Todos os actos publicados na 1.ª Série do D.R. desde 1 de Janeiro de 1979

Espaço

BLACK WOMAN WOMEN'S FLAT ITALIAN SHOES 38 5 LEATHER


Ron Mueck

Cabrão. O cabrão do candeeiro alcachofra não cai. Não parte. Não se estraga ou avaria. O cabrão do candeeiro alcachofra que herdei não se estica ou encolhe. Não se esmifra ou incha. O cabrão do candeeiro alcachofra…

Há um outro. Um candeeiro alcachofra na memória da sala de jantar da minha mãe. Anos e anos naquilo. Naquela visualização da racha na parede. Porque é das rachas na parede que mais detalhadamente me lembro. A racha em forma de cabeça de bebé do meu quarto. E a assinatura. A assinatura de um quadro na sala. Aucap? Alguém se chama Aucap? Alguém se chamava Aucap.

Bolas de Berlim recheadas e folhados de salsicha na praia com robes e tocas de turco branco às flores. Vivas. Vivo. Vivi.

- Pai…
- Vem jantar. É rancho à beirã.
- Pai…
- Tsu ktzu pu tru pus tu
- Sim.

O que não termina sabe a saudade.

Vou trabalhar. Depois do vinho.

- A salada está temperada?
- Vocês…
- Oh Zé… já te disse…
- Ou há navalhada ou recuso-me a aturar-vos.
- Ninguém faz um assado assim.
- Faço eu.
- Um pássaro.

Hoje fiquei a saber que te trato como um inútil. Será? E vejo-a doente. Doente como as batatas na loja dos monhés do Bangladesh. Baralhada. Completamente confusa. Atrapalhada. Aguardando uma faca que a espete. Mas na minha gavetas por abrir não existem gumes amolados.

Bells. Cintura.

Falta-lhe a música para agitar a cabeleira despenteada. Bonita. Sorriso bonito. A música...
Ele dorme e eu aqui. Ele dorme e eu aqui. Eu aqui e ele dorme. Eu aqui e ele dorme. Até ao infinito. A reptição fascina-me. Entra e sai. A repitação atrai-me. Cospe e engole. A repetição obececa-me. 1.2.3.4.1.2.3.4.

Amarelo como a urina.


E hoje vi os pés mais lindos numa mulher. De unhas cristalinas e dedos perfeitos. Lindos... decepei-os. No congelador a memória de uns passos para os quais eu nunca olhei.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Quinta da Bacalhôa



Shadi Ghadirian - qajar phone
A minha vizinha tem as molas penduradas de uma forma ordenada. Amarelas. Alinhadas. Quatro juntas. Um espaço maior. E mais três. A estética das molas na corda da minha vizinha encanta-me. Entra em mim a imagem das molas. As andorinhas invadem Lisboa. São o movimento que vejo da janela que dá para a Graça. Quantas pessoas, Senhor? Quantas pessoas já me olharam sem me ver? Desta janela vejo janelas. Desta janela vejo o longe da Nossa Senhora do Monte. Quantas pessoas, Senhor? Quantas já me viram sem me reconhecer?


A água ferve. E eu esqueço-me. Esqueço-me que á água ferve. Esqueço que esta casa precisa de mim. Esqueço que eu preciso de mim. É uma merda de um poema em linha recta. É uma bosta de tempo e de pedaços de vida. Que são meus. Sou filha de minha mãe. Cada vez mais…


As andorinhas…


E lembro do arame. O arame onde pousam os pássaros. O mesmo que me queima e mata quando eu tento poisar.


Tenho fome mas estou (estou) incapaz de cozinhar. Espero…


Há uma casa que quero minha e que tem uma cozinha velha com um lava-loiças triplo de pedra. Pedra que parte pratos. Pedra que parte copos. Pedra que parte tudo. Há. É uma casa com escadas e cantos. Recantos escavados na rocha. Janelas embutidas em cantos despropositados. Porque existem cantos que podíamos limar? Porque o arquitecto aproveitou a rocha do terreno. E a Jane came. Came... e sim abuso das reticências. Mas que mais posso dizer?


Sentei-me no banco cavalo e continuei a conferir as bolas de Natal, as renas, as grinaldas, os presépios, as luzes. Olhei na parede da frente cheia de caixotes e morri a rir. Porque quem como eu chora morre a rir.


Há um amigo a quem não falo. Uma mãe a quem não telefono. Um pai que gostaria de esquecer. Uma irmã que pretendo longe. Tantos amores para chorar. E rir. Culpar. Arrepender. Um dia. Um dia ficarei num Hotel com vista para o mar. Bravio. O mar quer-se bravio. O mar não foi feito para nadar. Foi feito para temer. E respeitar. Para por um pé e agradecer. A praia é dos imbecis. E eu gosto de ser imbecil sem testemunhas.


Palmas. Ouvem-se palmas. E eu retomo. Retomo às origens. Do piano. Da melodia. Do acordeão. Das vozes femininas que me estremecem. Da nostalgia deste ser.


Ardo como um violino.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Tormenta De Cerebros


Christian Weber - Cecily full of life

Uns chinelos que sobram ns calcanhares. Não é ns. É nos. Os meus dedos... Eu olho-te e penso quanto tu és gay. Mais gay que eu. Mais carnal que eu. Um predador aguardando a presa de manso. De tão manso que és enjoas. Eu pelo menos viro fera e firo-me. Rejeição. Rio alto enquanto cometo erros de menina que leu e nunca ouviu.

M I G de migalhas.
Uma sombra colada a mim e eu que gosto tanto de me sentir só, como se a força só viesse na solidão. Mas deus, com d minúsculo disse-me que também sou sua filha. Oremos pois. Por vós porque eu já não tenho perdão. Mentira! E rio-me. Mentira. Não existem pecados em mim. Apenas… humanidade.
Uma repetição. Quantas vezes podemos repetir? O mesmo som. O mesmo movimento. O meu olhar. O mesmo cheiro. O mesmo gesto. Uma mão em ti. Outra mão em mim. E como eu adoro a tua picha de miúdo. Curta e grossa. Como eu adoro salsichas quentes com queijo derretido.
Lavaga-me. Ou fode-me. Mate-me. Ou engole-me. Lava-me. Ou conspurca-me. O cheiro a cona sempre me fez bem. Ordinária! Dizia a minha mãe a quem hoje compro chás e me ouve mais que às minhas irmãs. Sou uma impostora da alma. Prego. E prego-me. E chamam tristeza. Tomara as gargalhadas que dou. Sou.

Escrevo.

Pouco.

Sei.

Mas há vazio.
E este…



… ser.

Trebuchet.