A minha vizinha tem as molas penduradas de uma forma ordenada. Amarelas. Alinhadas. Quatro juntas. Um espaço maior. E mais três. A estética das molas na corda da minha vizinha encanta-me. Entra em mim a imagem das molas. As andorinhas invadem Lisboa. São o movimento que vejo da janela que dá para a Graça. Quantas pessoas, Senhor? Quantas pessoas já me olharam sem me ver? Desta janela vejo janelas. Desta janela vejo o longe da Nossa Senhora do Monte. Quantas pessoas, Senhor? Quantas já me viram sem me reconhecer?
A água ferve. E eu esqueço-me. Esqueço-me que á água ferve. Esqueço que esta casa precisa de mim. Esqueço que eu preciso de mim. É uma merda de um poema em linha recta. É uma bosta de tempo e de pedaços de vida. Que são meus. Sou filha de minha mãe. Cada vez mais…
As andorinhas…
E lembro do arame. O arame onde pousam os pássaros. O mesmo que me queima e mata quando eu tento poisar.
Tenho fome mas estou (estou) incapaz de cozinhar. Espero…
Há uma casa que quero minha e que tem uma cozinha velha com um lava-loiças triplo de pedra. Pedra que parte pratos. Pedra que parte copos. Pedra que parte tudo. Há. É uma casa com escadas e cantos. Recantos escavados na rocha. Janelas embutidas em cantos despropositados. Porque existem cantos que podíamos limar? Porque o arquitecto aproveitou a rocha do terreno. E a Jane came. Came... e sim abuso das reticências. Mas que mais posso dizer?
Sentei-me no banco cavalo e continuei a conferir as bolas de Natal, as renas, as grinaldas, os presépios, as luzes. Olhei na parede da frente cheia de caixotes e morri a rir. Porque quem como eu chora morre a rir.
Há um amigo a quem não falo. Uma mãe a quem não telefono. Um pai que gostaria de esquecer. Uma irmã que pretendo longe. Tantos amores para chorar. E rir. Culpar. Arrepender. Um dia. Um dia ficarei num Hotel com vista para o mar. Bravio. O mar quer-se bravio. O mar não foi feito para nadar. Foi feito para temer. E respeitar. Para por um pé e agradecer. A praia é dos imbecis. E eu gosto de ser imbecil sem testemunhas.
Palmas. Ouvem-se palmas. E eu retomo. Retomo às origens. Do piano. Da melodia. Do acordeão. Das vozes femininas que me estremecem. Da nostalgia deste ser.
Ardo como um violino.
Dediquei-te um post no meu blogue. Passa por lá, se quiseres.
ResponderEliminaravozdaserpente.blogspot.com
Um abraço fraterno.
Saudades perversas da depressão. Aí tudo é inteiro e íntegro. A existência na sua derradeira lentidão, unidade e simplicidade.
ResponderEliminarLi te tantas vezes sem te o dizer... mas hoje decidi dizer que te leio e releio e que penso em ti em silêncio.
ResponderEliminarTenho saudades da Graça, da tua janela e do teu olhar, os sôfregos momentos que partilhámos...
hoje revi a rua estreita, as escadas íngremes, o fecho solto da porta, o cheiro da calma dor que se desprende dos teus cabelos quando sorris de olhos tristes...
a burguesa do norte que um dia te olhou e te viu
E serás sempre bem-vinda nesta tasca, Chevry.
ResponderEliminarSabes, nos últimos anos, uma das minhas preocupações foi a de servir com a beleza possível os meus irmãos e as minhas irmãs.
Tu estarás sempre presente. Sabes, é a Palavra.
Um beijo.
P. S. Já agora, o meu género é o masculino. Ou o feminino, sei lá. Sou um animal. Mas serás sempre bem recebida.