quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Perde-me(te)


Alain Tex

Ping. Ping. Ping.
O melro canta. E eu olhando no seu cantar indignado desejo que ele morra a meus pés. Desejo-lhe a cor das penas das asas. Desejo o seu toque. Desejo a sua morte para o calar.

 
Ping. Ping. Ping.
Ping. Diz-me um homem. Comigo sentada. Olhando-me com raiva. Ou com medo? Ping. De pingar. Ping. De chorar.
 
E é num copo que deito a cinza. E num pranto que me fecho. Lembro a alma que foi minha. Ping. Ping. Ping. Traz.
 
Lavoura adentro. Lavoura de vinha. Lábios grossos que quero calados. Lábios grossos que quero beijar. No topo. Acima. Comigo sentada. De cima. Um coração que eu desejo sangrar.
 
Ping. Ping. Ping. Traz.
 
Não é rima. Nem é prosa. Não é nada que não nós. Eu. E tu. Nós.
 
É esta vontade premente.
Dormente.
Omnipresente.
Crente.
Insaciável.
De contigo estar.
Amor.
 
Ping. Ping. Ping. Traz.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Peugeot Partener em forma de coração

Shadi Ghadirian

Pouca terra, pouca terra... muita terra, pouca terra.
Diz-me tu cigano quantos dedos cabem no meu ânus.
Cabe algum? Cabem todos? De uma mão? E dos pés?
Diz-me tu lambe botas quantos caralhos já lambi.
Foram 2 ou três?
 
A mamã dá licença?
Quantos passos?
Oh caranguejo que me revejo.

 
Estoira.
Pó. Cimento. Estuque. Vitaminas.
Frescura pela manhã com sabor a caracóis na cabeça. E um miúdo egoísta que me sorri compenetrado em ser gato.
Surpresa. E é no micro-ondas que aqueço as salsichas que não foram comidas ao pequeno-almoço. É lá entre paredes brancas e pó que leio a etiqueta de € 5,99. Ao som de "My moon, my man".

E é sempre um desespero ser feliz. Estar feliz. Nada a dizer. Feliz. Que dizer? Feliz. Felicidade cria crianças. Felicidade cria cómodas e mesinhas de cabeceira. Felicidade cria danças entre luzes. Felicidade cria pavimentos de madeira. Mas não cria letras em mim. 

 
- Quanto tempo?   
- Não sei. Até... ao fim.
- Até ao fim.
- Seja.
 
Run...
 

Amo-te. A valer. Ponto.