terça-feira, 3 de agosto de 2010

Lateral

Yasumasa Morimura - White Darkness

A luz incide no cortinado flutuante. Amarelado o cortinado. Amarelada a luz. Silêncio. Silêncio mudo a lembrar um filme. Que filme? Que filme vi eu com cortinados esvoaçantes? Lembro. Penso. Um sorriso tolo na cara. Lembro. Uma sala repleta de janelas brancas com cortinados brancos. A avó de Alexander. De vestido de linho e malha. A avó na imensidão da calma que eu invejei. Das senhorinhas forradas de branco e as jarras com flores.

As minorias fazem-se de regras tão ou mais tolas que as convencionais. Não inovam. Repetem. Todas as minorias e pequenos grupos são cheios de moral, padrões, castrações, imobilidade. Não sou, por impossibilidade, do geral-comum-moda-convencional-aceite. Não sou, por experiência, de qualquer minoria. Um dia aburgueso-me e gasto esta energia num ginásio. Suo. Babo-me. Digo palavrões. Eu. O meu corpo. Eu e o meu corpo que sempre me obedece. Ainda que as desculpas passadas tenham como responsável um submisso da minha vontade.

Ouve. Ouves?
É a máquina de lavar roupa. Ritmada. Como… como uma foda. E apita. No final apita. Toca uma música alegre. Porque é uma alegria estender roupa neste terceiro andar virado ao Bairro Alto. Com o careca do porteiro a hablar español. Ou inglês. German? Não sei. Apenas sei que me olha nos sacos. Ou sinto. Sinto que olha. Nos sacos que trago cheios de preservativos e colheres. Alucinadamente trago nos meus sacos membros de mendigos e coxas de frango. Tiramisu e revistas. Garrafas de vodka de 4,99 Euros e Mum. Puta. Putas.

A natureza humana. A natureza humana revela-se quando as pessoas preferem não perder a ganhar. Quando não lhes importa ficar em terceiro se não ficarem em quarto. Nunca procurando o primeiro. A natureza humana revela-se nas cartas que jogo. Quando ainda que não ganhado fazem alguém perder. Porque o poder é isso. Uma merda. Uma merda temporária utilizada para derrotar e humilhar. E não importa quem fique acima. Desde que “eu” fique por cima de alguém. Cartas reveladoras. Entristecedoras. Em gargalhada por vezes. Bitch.

Chega. Vou recomeçar.

Sentado a meu lado oiço o fumo que lhe sai da boca. Tem som. Tem cheiro e cor. Tem sabor. Toco-lhe ao de leve enquanto a velha sentada a seu lado esboça um sorriso triste. Gosto de velhas. Velhas intoleráveis, execráveis, maledicentes. Gosto delas porque arrogantemente nunca as levo a sério. Jogo-me da varanda e aterro sobre o cão do vizinho que foi castrado o mês passado. Ladra-me e afasta-se. Cheira a bolos. Cheira a palmiers recheados com bosta amarela que só comemos às 5 da madrugada. Alguém ouve George Michael. Choro. Não há mais que beber e terei de ficar sóbria.

Salmão grelhado com legumes salteados.

Vai. Foi.

- Tu já foste a Sacavém?
- Não.
- Não?
- Não. Só tive dinheiro para ir à Bobadela. Ver a Catedral.
- A Bobadela tem uma Catedral?
- Sim, tem. Não sabias?
- Não… pensei que apenas existia a de Sacavém.
- Foste quando?
- Em Junho.
- Ah. Em Junho estava fechada. Só poderias ver o coreto.
- Prefiro comer amendoins.
- Eu também. Mas só tenho erva no quintal. Fumas?
- Fumo. SG Gigante. E tu?
- Fígados hepáticos.
- Posso assinar?
- Assina…
- Palmira Bastos