sexta-feira, 6 de setembro de 2013

embolias

Se quiserem: http://embolias.blogspot.pt/
mantenho a trebuchet

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Lagartas


Gottfried Helnwein - Lulu

Censurado por causa da foto!

Os primeiros perguntam-me pela igreja. A igreja com um nome que não entendo. Indico uma igreja. À esquerda. Mais abaixo. À esquerda. O meu braço desce e pausa no ar. Sinto as mãos bolorentas. A unhas musgosas. Passeio-me de olhos pretos. Semi-cerrados. O sol. A luz. O meu hálito a água estagnada. Fazem-me parar. Querem falar comigo sobre deus. sbre a vida. Sobre a fé. Não paro. Digo que não. Falar o quê? Dizer o quê? Nada. Nada a acrescentar. Apenas esta sede e esta vontade de ir. De não parar. Não paro. Sou incapaz de esboçar sorriso. Tenho sono. Quero dormir. E acordam-me. Acordam-me constantemente. Quero dormir. Estou cansada. E sim, ando bem ejaculada. Fermentada. Tratada. Furada. Rendida. Esburacada. Merecida. Tenho esse andar. Um pé na frente e outro mais atrás. E só me rebolo em camas. Se conseguirem. Tolos, tolo.

Urina. Urina. Urina. Quantas vezes urina? E tu estavas linda. Vestida de rainha. Ou princesa. Vestida de morena. Morena elegante. Trato de ti. Adoro tratar de ti. E da tua boca melosa de chucha. Adoro ver-te de costas. À varanda. Esperando. Fotografo-te. E o rego e alto húmido entre as pernas. És linda. És lindo. De saias ou de calças. Timidez que nos envolve. Visto-te para que te possa despir. Visto-me para que me dispa. Traz-me café. Desarrumamos a casa. Na procura. Gostava de ter a disponibilidade emocional para vestir todos os homens do mundo. Vesti-los de mulher. Tal marinheiro. E sim marca-me. Marcou-me. As pessoas marcam-me. Algumas. Na autenticidade. Senta-te. Quero que te sentes. Namoramos. No sofá. Descaímos e tropeçamos. O cós da meia na tua perna é um rio onde me banhar. Os teus genitais inchados que esfrego. Como os meus.

A rua não acaba. E eu só procuro acender o cigarro. Acaba rua para que te tenha pelas costas. Não a ti. À rua que é desconfortável. Branca suja com cheiro a comboios. Ver pessoas. As pessoas. Que acordaram. Frescas. Perfumadas. Domingo. No espelho da loja os meus olhos. Aceitáveis.

Eu tenho botões em mim. Manivelas. Algoritmos. Descobre. Descobre onde estão. Não te digo. Não posso. Não quero. Se o fizer, não funcionam. Tens de ser tu . Apalpa-me. Tacteia. Tens de ser tu. A pressioná-los. A minha boca encerra-se. Existe sempre um final. Algo que abre, fecha. Algo que começa, acaba. O desejo. Também esse, sim. Ela deseja os sapatos. E ele o carro. Ambos desejam e terminam. Na posse. Na mudança. Como eu. Sem sapatos. Sem carro. Como eu. Na mudança. Na posse. Somos iguais. Galgos.

As pessoas passeiam aos Domingos de manhã. Estranho. Passeiam de vestido. E chinelos. De coloridos. E óculos escuros. Com crianças. E mochilas. Passeiam. Passeiam aos Domingos de manhã. E há quem corra. Mulheres que correm com decotes justos. Músculos definidos. Loiras. Morenas. Correm ao Domingos de manhã. E eu não durmo. Nas madrugadas de Sábado, de Domingo, de Segunda. Não durmo. Não corro. Os meus decotes descaem. A alça do soutien visível. Os peitos de loba amamentadora de Rómulo e Remo. Corpo no espelho. Vou tentar dormir nas manhãs de Domingo. Nesta manhã de Domingo. Vou tentar dormir.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Una pantalla negra

30 Junho a 17 Dezembro. Almost forever. Un peu plus et à jamais.
Se acabou. por ahora.
1
2
3




es el primeiro
... vuelvo
un dia

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Viriato











 


Nan Goldin - Gotscho kissing Gilles, Paris 1993
Perfumes e cheiros. Em lábios de vinho. Fontes e gotejos. Adivinhas e beijos. Toques e amaciares de braços. Sorriso em Carlos Paredes.
- Leva-me contigo.
- Serás infeliz.
- Já sou. Quero ir.

Há um jogo que jogo. Compulsivamente. De dia. De noite. De tarde. À noite. Na madrugada fria. Um jogo. Sem ti. Sem contigo. Sem nada. Sem mim. Deliciosamente abstraída do mundo. Um jogo de merda, vazio, nada, sem, eu não, eu algures sem mim, nada, deliciosamente, vazia.

Só escrevo quando penso em escrever. E eu que não tenho pensado em escrever. Eu que não sinto a escrita. A escrita que só é vómito quando a sentes antes de ser. Eu que tenho rejeitado o sabor, o cheiro deste sofrimento? Deste ser. Porque a mim torna-se difícil, a mim é difícil, a mim é um sopro sem emitir vento. Um bafo quente. Um ver um palco com luzes e chorar. Um olhar-te sem saber…

Há quem diga que sou triste. Nunca quem me conhece. Apenas quem me lê. Quem diga que eu sou depressiva. Não, quem me conhece, quem me imagina. Quem diga que eu sou dramática. Não quem me vê, quem me olha. Morreu… e perante a morte o que dizer? Perante um bocejo triste de afago onde colocar a mão? Um corpo que não conhecemos suspira depois daquela visão de… de incapacidade. Eu dançaria. Eu cantaria. Eu faria o mais belo poema, mas sou, incapaz. Só sei que, dia após dia, um, depois, dois, e depois três me sinto aqui. Aqui a teu lado. Eu a estranha. Sento-me e sinto-me. No teu silêncio.

Vazio.
Não eu. O copo.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Lateral

Yasumasa Morimura - White Darkness

A luz incide no cortinado flutuante. Amarelado o cortinado. Amarelada a luz. Silêncio. Silêncio mudo a lembrar um filme. Que filme? Que filme vi eu com cortinados esvoaçantes? Lembro. Penso. Um sorriso tolo na cara. Lembro. Uma sala repleta de janelas brancas com cortinados brancos. A avó de Alexander. De vestido de linho e malha. A avó na imensidão da calma que eu invejei. Das senhorinhas forradas de branco e as jarras com flores.

As minorias fazem-se de regras tão ou mais tolas que as convencionais. Não inovam. Repetem. Todas as minorias e pequenos grupos são cheios de moral, padrões, castrações, imobilidade. Não sou, por impossibilidade, do geral-comum-moda-convencional-aceite. Não sou, por experiência, de qualquer minoria. Um dia aburgueso-me e gasto esta energia num ginásio. Suo. Babo-me. Digo palavrões. Eu. O meu corpo. Eu e o meu corpo que sempre me obedece. Ainda que as desculpas passadas tenham como responsável um submisso da minha vontade.

Ouve. Ouves?
É a máquina de lavar roupa. Ritmada. Como… como uma foda. E apita. No final apita. Toca uma música alegre. Porque é uma alegria estender roupa neste terceiro andar virado ao Bairro Alto. Com o careca do porteiro a hablar español. Ou inglês. German? Não sei. Apenas sei que me olha nos sacos. Ou sinto. Sinto que olha. Nos sacos que trago cheios de preservativos e colheres. Alucinadamente trago nos meus sacos membros de mendigos e coxas de frango. Tiramisu e revistas. Garrafas de vodka de 4,99 Euros e Mum. Puta. Putas.

A natureza humana. A natureza humana revela-se quando as pessoas preferem não perder a ganhar. Quando não lhes importa ficar em terceiro se não ficarem em quarto. Nunca procurando o primeiro. A natureza humana revela-se nas cartas que jogo. Quando ainda que não ganhado fazem alguém perder. Porque o poder é isso. Uma merda. Uma merda temporária utilizada para derrotar e humilhar. E não importa quem fique acima. Desde que “eu” fique por cima de alguém. Cartas reveladoras. Entristecedoras. Em gargalhada por vezes. Bitch.

Chega. Vou recomeçar.

Sentado a meu lado oiço o fumo que lhe sai da boca. Tem som. Tem cheiro e cor. Tem sabor. Toco-lhe ao de leve enquanto a velha sentada a seu lado esboça um sorriso triste. Gosto de velhas. Velhas intoleráveis, execráveis, maledicentes. Gosto delas porque arrogantemente nunca as levo a sério. Jogo-me da varanda e aterro sobre o cão do vizinho que foi castrado o mês passado. Ladra-me e afasta-se. Cheira a bolos. Cheira a palmiers recheados com bosta amarela que só comemos às 5 da madrugada. Alguém ouve George Michael. Choro. Não há mais que beber e terei de ficar sóbria.

Salmão grelhado com legumes salteados.

Vai. Foi.

- Tu já foste a Sacavém?
- Não.
- Não?
- Não. Só tive dinheiro para ir à Bobadela. Ver a Catedral.
- A Bobadela tem uma Catedral?
- Sim, tem. Não sabias?
- Não… pensei que apenas existia a de Sacavém.
- Foste quando?
- Em Junho.
- Ah. Em Junho estava fechada. Só poderias ver o coreto.
- Prefiro comer amendoins.
- Eu também. Mas só tenho erva no quintal. Fumas?
- Fumo. SG Gigante. E tu?
- Fígados hepáticos.
- Posso assinar?
- Assina…
- Palmira Bastos

sábado, 31 de julho de 2010

Lixívia sem álcool


 Hyphen - Jenny Saville

- Meu amor ainda não são sete horas.

Existem umas cortinas verdes que tapam a janela de minha casa. São de rede e por detrás homens escavacam uma grade retirando-lhe a tinta branca que cai. São pedreiros longe dos meus sonhos. Longe da minha mão entre as pernas. Porque tudo o que é fantasia tem mais poder. Divago na tentativa idiota de fazer mais de 21.000 pontos.

Vou arrumar a casa. Devagar. Devagarinho. Arrumar o meu quarto. Devagar. Devagarinho. Arrumar a cozinha. Devagar. Limpar o pó à mesinha de cabeceira preta. Devagar. O cotão do chão nos livros. Lentamente. Tão lentamente que acabo por morrer. Velha. Velha de tão devagar. Com este caos que me rodeia e adoro. Faz-me sentir em casa. Dá-me prazer sujar os pés neste pavimento por encerar. Transpirar enquanto sacudo tapetes. Escrever com as mãos ásperas do pó e dos detergentes. A minha sedução está no sabão que envolvo num pano velho. No ajoelhar com cabelos presos. No ouvir Abba enquanto engomo, Liliana Filipe enquanto esfrego e Depeche Mode na varridela.


- Tenho sono.
- Dorme!- Não consigo.
- Já tentaste?
- Não.
- Então como sabes que não consegues?
- Sinto.
- E acreditas no que sentes?
- Sinto.
- Acreditar no sentir é…
- Batatas?
- Batatas.

Falaram nela como se fosse uma qualquer. A mulher. A mulher-mãe. A mulher-filha. A mulher-amante. A jovem eterna. Sempre jovem. E imagino-a tentando obter prazer daquele jovem talvez homo, talvez inseguro. Foi na rádio que ouvi. Uma mulher de timbre doce. O doce banal dos nossos dias. Uma voz. Consigo fazer-me entender?

Estou menstruada.
 

No fundo do palco a coelhinha mostra a tabuleta “RIR”.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Todos os actos publicados na 1.ª Série do D.R. desde 1 de Janeiro de 1979

Espaço

BLACK WOMAN WOMEN'S FLAT ITALIAN SHOES 38 5 LEATHER


Ron Mueck

Cabrão. O cabrão do candeeiro alcachofra não cai. Não parte. Não se estraga ou avaria. O cabrão do candeeiro alcachofra que herdei não se estica ou encolhe. Não se esmifra ou incha. O cabrão do candeeiro alcachofra…

Há um outro. Um candeeiro alcachofra na memória da sala de jantar da minha mãe. Anos e anos naquilo. Naquela visualização da racha na parede. Porque é das rachas na parede que mais detalhadamente me lembro. A racha em forma de cabeça de bebé do meu quarto. E a assinatura. A assinatura de um quadro na sala. Aucap? Alguém se chama Aucap? Alguém se chamava Aucap.

Bolas de Berlim recheadas e folhados de salsicha na praia com robes e tocas de turco branco às flores. Vivas. Vivo. Vivi.

- Pai…
- Vem jantar. É rancho à beirã.
- Pai…
- Tsu ktzu pu tru pus tu
- Sim.

O que não termina sabe a saudade.

Vou trabalhar. Depois do vinho.

- A salada está temperada?
- Vocês…
- Oh Zé… já te disse…
- Ou há navalhada ou recuso-me a aturar-vos.
- Ninguém faz um assado assim.
- Faço eu.
- Um pássaro.

Hoje fiquei a saber que te trato como um inútil. Será? E vejo-a doente. Doente como as batatas na loja dos monhés do Bangladesh. Baralhada. Completamente confusa. Atrapalhada. Aguardando uma faca que a espete. Mas na minha gavetas por abrir não existem gumes amolados.

Bells. Cintura.

Falta-lhe a música para agitar a cabeleira despenteada. Bonita. Sorriso bonito. A música...
Ele dorme e eu aqui. Ele dorme e eu aqui. Eu aqui e ele dorme. Eu aqui e ele dorme. Até ao infinito. A reptição fascina-me. Entra e sai. A repitação atrai-me. Cospe e engole. A repetição obececa-me. 1.2.3.4.1.2.3.4.

Amarelo como a urina.


E hoje vi os pés mais lindos numa mulher. De unhas cristalinas e dedos perfeitos. Lindos... decepei-os. No congelador a memória de uns passos para os quais eu nunca olhei.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Quinta da Bacalhôa



Shadi Ghadirian - qajar phone
A minha vizinha tem as molas penduradas de uma forma ordenada. Amarelas. Alinhadas. Quatro juntas. Um espaço maior. E mais três. A estética das molas na corda da minha vizinha encanta-me. Entra em mim a imagem das molas. As andorinhas invadem Lisboa. São o movimento que vejo da janela que dá para a Graça. Quantas pessoas, Senhor? Quantas pessoas já me olharam sem me ver? Desta janela vejo janelas. Desta janela vejo o longe da Nossa Senhora do Monte. Quantas pessoas, Senhor? Quantas já me viram sem me reconhecer?


A água ferve. E eu esqueço-me. Esqueço-me que á água ferve. Esqueço que esta casa precisa de mim. Esqueço que eu preciso de mim. É uma merda de um poema em linha recta. É uma bosta de tempo e de pedaços de vida. Que são meus. Sou filha de minha mãe. Cada vez mais…


As andorinhas…


E lembro do arame. O arame onde pousam os pássaros. O mesmo que me queima e mata quando eu tento poisar.


Tenho fome mas estou (estou) incapaz de cozinhar. Espero…


Há uma casa que quero minha e que tem uma cozinha velha com um lava-loiças triplo de pedra. Pedra que parte pratos. Pedra que parte copos. Pedra que parte tudo. Há. É uma casa com escadas e cantos. Recantos escavados na rocha. Janelas embutidas em cantos despropositados. Porque existem cantos que podíamos limar? Porque o arquitecto aproveitou a rocha do terreno. E a Jane came. Came... e sim abuso das reticências. Mas que mais posso dizer?


Sentei-me no banco cavalo e continuei a conferir as bolas de Natal, as renas, as grinaldas, os presépios, as luzes. Olhei na parede da frente cheia de caixotes e morri a rir. Porque quem como eu chora morre a rir.


Há um amigo a quem não falo. Uma mãe a quem não telefono. Um pai que gostaria de esquecer. Uma irmã que pretendo longe. Tantos amores para chorar. E rir. Culpar. Arrepender. Um dia. Um dia ficarei num Hotel com vista para o mar. Bravio. O mar quer-se bravio. O mar não foi feito para nadar. Foi feito para temer. E respeitar. Para por um pé e agradecer. A praia é dos imbecis. E eu gosto de ser imbecil sem testemunhas.


Palmas. Ouvem-se palmas. E eu retomo. Retomo às origens. Do piano. Da melodia. Do acordeão. Das vozes femininas que me estremecem. Da nostalgia deste ser.


Ardo como um violino.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Tormenta De Cerebros


Christian Weber - Cecily full of life

Uns chinelos que sobram ns calcanhares. Não é ns. É nos. Os meus dedos... Eu olho-te e penso quanto tu és gay. Mais gay que eu. Mais carnal que eu. Um predador aguardando a presa de manso. De tão manso que és enjoas. Eu pelo menos viro fera e firo-me. Rejeição. Rio alto enquanto cometo erros de menina que leu e nunca ouviu.

M I G de migalhas.
Uma sombra colada a mim e eu que gosto tanto de me sentir só, como se a força só viesse na solidão. Mas deus, com d minúsculo disse-me que também sou sua filha. Oremos pois. Por vós porque eu já não tenho perdão. Mentira! E rio-me. Mentira. Não existem pecados em mim. Apenas… humanidade.
Uma repetição. Quantas vezes podemos repetir? O mesmo som. O mesmo movimento. O meu olhar. O mesmo cheiro. O mesmo gesto. Uma mão em ti. Outra mão em mim. E como eu adoro a tua picha de miúdo. Curta e grossa. Como eu adoro salsichas quentes com queijo derretido.
Lavaga-me. Ou fode-me. Mate-me. Ou engole-me. Lava-me. Ou conspurca-me. O cheiro a cona sempre me fez bem. Ordinária! Dizia a minha mãe a quem hoje compro chás e me ouve mais que às minhas irmãs. Sou uma impostora da alma. Prego. E prego-me. E chamam tristeza. Tomara as gargalhadas que dou. Sou.

Escrevo.

Pouco.

Sei.

Mas há vazio.
E este…



… ser.

Trebuchet.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Grinderman - (I don't need you to) Set Me Free



Café. Chá e torradas. Praia. Pele morena. Um telefone. Dois.

Lorelei

Souls on fire - Ruela
 

Não conseguia deixar de pensar na Joana. No que nos afasta e nos aproxima. De comparar-me. De querer ver que sou mais forte. Ou mais fraca. De me sentir diferente. Com um final diferente. Com um final mais feliz? E nesta angústia procuro saber o que me prende. O que me prende? O que te prende? Ele e eles. Mas ela tinha um ele. Deixou apenas de ter uns eles. Ele… o que me aceita. Aceita?

Angústia.

Deixa-me beber vinho.

Raul Lino. Sintra. Cascais. Braga. Covilhã. Loja das Meias destruída. Chamam remodelação.

Um dente saltou-me da boca enquanto eu como tostas mistas. Mas a música encanta-me e eu sou a que expiou a culpa ao telefone. Um dia ainda vou encontrar um lugar onde não existem próteses nem acessórios de cozinha por fotografar.
Ele entusiasma-se. Eu olho-o. Ele emociona-se com a alegria da diferença. Eu olho-o e invejo.

Há uns miúdos vestidos de pijama todo o dia. Estão frente a mim. Tenho piedade dos miúdos que não conhecem o vento nos cabelos e o sabor das canas na boca e no nariz. Uns miúdos que às seis da tarde estão de pijama fechados numa casa onde as janelas só abrem ao fim-de-semana. Pobres miúdos. Fruto de o sonho de alguém. Recebem o melhor. O melhor que lhes pode ser dado. O melhor. Ironia. Os que tem filhos e os trancam assim. Em casas de bairros. Sem jardim. Sem flores. Sem terra e lama. Sem hortaliça e feijões. Sem amores de calçada. Sem nada que seja uma vida.

Tenho filhos. Aos mil. Que adopto nas esquinas e travessas. Tenho netos aos milhares a quem sorrio na impossibilidade de ensinar. Mas amo-te. Ou não? Os homens que me amaram nunca me leram e os que me leram nunca me amaram. Consequências?

Ontem senti-me só. Mais só que os sós. Mais só que os abandonados. Só de pensar. Só de sentir. Só porque não interessa. Só nesta miséria humana que vejo e revejo. Em mim. Em ti. Em todos. Sinto-me um arrastar pela casa…

Um nome. O meu nome. Virgínia. O teu nome mãe. E a quantidade de quilogramas por preencher nessa alma grande. Há um sentido que procuro. Sempre o fiz. Perdoa-me. As unhas estão sangrando neste verniz cor de mim. Cor de quem quer como eu. E desiste. Quero e desisto. Quero-te mas eu já me afastei. The theatre of tragedy.

Há uma seara de trigo. Nela vê-se uma mulher e um filho. Filho porque loiro e pequeno. E eu que conheço bem as searas de trigo sei que ninguém para nelas a não ser as crianças. Romantismo. Odeio romantismos e lugares de searas. Odeio perder e fazer funerais. Ver-te feliz… dói. Não odeio. Dói. Eu sou a patinho feio com sonho de cisne. E enquanto existirem cigarros por fumar estarei por aqui.

Fumando.

domingo, 14 de março de 2010

Print Screen

 Harukawa

Há um corpo que se quer estendido. E uma manta que amolga um outro corpo que não existe. Por agora. Para sempre. 

Olha-o e sente todo o amor que é possível a consumi-la. De tão forte afasta. De tão intenso isola. Como se perante sentimentos de partilha não conseguíssemos ser mais que seres solitários. Como se o sentimento fosse além do ser. Da pessoa. Irracional. Imoral. Independente. Amo-te porque em mim existe este sentimento de amor. Amo-te porque não posso contrariar. Nem quero. Amo-te apesar de ti. Amo-te não por seres quem és. Ou não apenas por isso. Amo-te porque... porque tinha de te amar.

A mulher da frente hoje não aparece. Sentada.
Estou branca. A minha pele transparece o Inverno que não acaba. Os dias de chuva intermináveis. O cansaço tolda-me os sovacos peludos. Lavo-me na imensidão da casa que sinto nossa. Minha com objectos teus. Tua com objectos meus. Nossa.

Há um livro sobre Fadas e Elfos. Por ler. Junto à porta. Na mesa de três pernas coxas. Há um sem número de livros e recordo-me do último jantar que me ofereceste. E da tua raiva em amares-me. Em queres-me. Em seres bem sucedido. Amo-te pela passividade que perturbo com prazer. Por vezes sinto uma imagem em sombras a nosso lado. Sou eu. Ocultando-me. Revelando-me. Sou eu.

Homens-gato. Homens-cão. A fidelidade é uma mentira. Precisam-se putas. Sem medo.

Lavagante. Lavagas-me o corpo e magoas-me nestas manhãs. Eu que um dia te darei uma chibata para que me sangres.

O cão está ao lado da tua cadeira. A que já não vejo como minha. Por cedência. Porque a mim importa-me o sentires-te bem. E é nas minhas unhas que revejo o passado. O que contei. O que calei. É das minhas unhas que retiro restos de ti. Do teu cabelo. Do teu suor. Do teu ânus. São elas que me falam nas manhãs em que é doloroso sair de casa. Em que eu gostaria de ser vaca para pastar em prados altos e verdes. Ou gato para me aninhar nas tuas calças sujas.

Levanto-me
Vou.

terça-feira, 2 de março de 2010

Beringelas recheadas com o que nos apetecer


Diane Arbus

Senta-se no beiral da porta aguardando a moeda. Senta-se no beiral da porta olhando-me de baixo. A mim e aos que me seguem. A mim e aos que me antecedem. Senta-se.

Só hoje reparei como tinha o cabelo comprido. Amarrado atrás do pescoço escorria pelas costas e tocava na cintura. Fino o cabelo. Fina a cintura. Só hoje reparei. Em quantas coisas só hoje reparei? Em quantas coisas hoje não reparei? E ontem?

Abomino donas de casa e fadas do lar. Abomino jantares e namorados. Abomino maridos e convenções.

Leio.

Sentada nuns degraus. Na parte turística da cidade. Sentada.
Oiço.

- Eu não vou deixar de ser rica - dizia com o cabelo apanhado no topo da cabeça enquanto a franja lhe caía sobre os olhos. 
- Nunca. Nunca vais deixar de ser rica. A meus olhos - disse-lhe com o cabelo despenteado sobre uma cabeça que não sentia minha.

Supermercado.
No Sábado fodemos com o Bruno. Lembras?
Não. Eu esqueço o que me traz... prazer?

- As latas de atum?
- Sairam a voar pela janela que estava aberta.
- Lentamente.
- Aos teus olhos.

Vou deixar-te sentar neste lugar. As facas estão afiadas.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Perde-me(te)


Alain Tex

Ping. Ping. Ping.
O melro canta. E eu olhando no seu cantar indignado desejo que ele morra a meus pés. Desejo-lhe a cor das penas das asas. Desejo o seu toque. Desejo a sua morte para o calar.

 
Ping. Ping. Ping.
Ping. Diz-me um homem. Comigo sentada. Olhando-me com raiva. Ou com medo? Ping. De pingar. Ping. De chorar.
 
E é num copo que deito a cinza. E num pranto que me fecho. Lembro a alma que foi minha. Ping. Ping. Ping. Traz.
 
Lavoura adentro. Lavoura de vinha. Lábios grossos que quero calados. Lábios grossos que quero beijar. No topo. Acima. Comigo sentada. De cima. Um coração que eu desejo sangrar.
 
Ping. Ping. Ping. Traz.
 
Não é rima. Nem é prosa. Não é nada que não nós. Eu. E tu. Nós.
 
É esta vontade premente.
Dormente.
Omnipresente.
Crente.
Insaciável.
De contigo estar.
Amor.
 
Ping. Ping. Ping. Traz.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Peugeot Partener em forma de coração

Shadi Ghadirian

Pouca terra, pouca terra... muita terra, pouca terra.
Diz-me tu cigano quantos dedos cabem no meu ânus.
Cabe algum? Cabem todos? De uma mão? E dos pés?
Diz-me tu lambe botas quantos caralhos já lambi.
Foram 2 ou três?
 
A mamã dá licença?
Quantos passos?
Oh caranguejo que me revejo.

 
Estoira.
Pó. Cimento. Estuque. Vitaminas.
Frescura pela manhã com sabor a caracóis na cabeça. E um miúdo egoísta que me sorri compenetrado em ser gato.
Surpresa. E é no micro-ondas que aqueço as salsichas que não foram comidas ao pequeno-almoço. É lá entre paredes brancas e pó que leio a etiqueta de € 5,99. Ao som de "My moon, my man".

E é sempre um desespero ser feliz. Estar feliz. Nada a dizer. Feliz. Que dizer? Feliz. Felicidade cria crianças. Felicidade cria cómodas e mesinhas de cabeceira. Felicidade cria danças entre luzes. Felicidade cria pavimentos de madeira. Mas não cria letras em mim. 

 
- Quanto tempo?   
- Não sei. Até... ao fim.
- Até ao fim.
- Seja.
 
Run...
 

Amo-te. A valer. Ponto.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Um homem nu num sofá preto com nódoas


Shadi Ghadirian


Há um homem que ouve os filhos passarem na rua. Ele ouve. Eu sentada a seu lado não oiço nada que não o som de fundo do computador ligado. Ele ouve e levanta-se. Acena à janela. E eu olhando-o por detrás de um candeeiro lembro-me de filmes italianos com crianças ranhosas que chamam pelo pai babado. "Que queridos" diz olhando no vidro. E sim, são. Tem a cara das crianças felizes e despreocupadas. Das crianças que são levadas à escola por pais atenciosos e saem da escola pela mão de uma ama e uma empregada. Sim, são queridos.
 
Há uma casa que se queria arejada. Uma corrente de ar a entrar pelas janelas e saindo pelas portas em direcção ao céu. Em vez disso tem pilares metálicos segurando o tecto. E um homem ausente.
 
Uma mulher canta. Tristemente. Canta tristemente. Uma mágoa que se apodera do meu regaço sem rosas. Que fala em peixes e em nascimento. E uma loucura de lágrimas corrida percorre-me o corpo excitado pelo meu amante que joga poker.

Coloco uma música para ti. Saberás que é para ti ainda que não te diga? Ainda que me cale. Que oculte a tua importância no meu coração e na minha cabeça. És o meu abismo de silêncio. Aquele a que me dedico quando te olho. Ou olho no lado. No nosso lado. Na nossa lateral de desarrumação de móveis e loiça. De pó pelo chão e copos por lavar. Ainda assim o teu sorriso permite-me escrever. Ainda assim cantando. Sim, cantando, escrevo.

 
"Bajo la sombra de un payande".

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Poker de cartas


Shadi Ghadirian


Larga da casa partida. Foge. Vai. Corre. Não olhes para trás. Vai. Não pares. Passa. Passa por esse canto. Por essa rua de casas rosa. Por essa travessa de casas amarelas. Vai. Não pares. Não jogues esse jogo de revés. Ou joga. Joga olhando-me nos olhos como quem não vê. Ou como quem mente. Mente. Sorri e mente. Ilude-te. Não? Não.

Há um gato perdido na pradaria. Acha-o. Beija-me.

Falo-te nos tempos do álcool etílico. Do estômago com fome. E das farturas comidas debaixo de toldos sujos. Falo-te. Ouves? Falas-me de amigos. De família. De tratados de justiça. De bebedeiras de insanidade. Falas-me.

- Regressa por essa estrada.
- Por aquela?
- Não, pela do lado. Essa leva a nada.
- E o que é nada?
- É... não se sabe. Não sei.
- Obrigado.

Vou fazer-te um poema.
Embriaga-me e fode-me. Ou lambe-me. Mas não me deixes a escorrer das pernas.

- Como estás filha?
- Estou bem. E o pai?
- Bem. Pena não teres cá vindo no fim-de-semana...
- Sim... pai. O trabalho... e precisava de descansar.
- A Céu fez língua e esteve cá um circo.
- Sim...
- Pensei em ti. Em como poderias vir cá mais vezes. Não precisas de trazer nada...

- Talvez... numa outra altura pai.

No tempo dos patinhos com rodas existia um homem que falava em Napoleão e nas conquistas romanas. Falava em tesouros escondidos e conventos abandonados. Falava em nós. De uma forma mentirosa. Maravilhosa? Iludida? Adoro-te. Mas não consigo perdoar-te. Como se fosses uma sina. Ou um fado. Ainda assim perdoa-me.

Levo no saco uma fortuna. Na saca que me acompanha quando dobro o braço e ela se encosta às ancas e se movimenta com as minhas pernas. Uma fortuna. Um valor incalculável de... nada.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Neve entre as pernas


Eugène Atget

Há algo que se mexe nas minhas costas. Sinto mas não olho. Evito olhar. Com medo de te ver. Que sejas tu. Afinal não estás aqui e eu sinto-te. Mas algo mexe. Que mexe atrás de mim? Que se mexe? Quem se mexe? És tu? Tu que não estás. Serás? Não sei. E nesta dúvida sento-me. De costas. Sempre de costas. Para que não me assuste olhando nos teus olhos. Para que não gema quando o teu olhar cair em mim. Sento-me e mantenho-me assim de costas. Afundo-me na cadeira. Tacteio os braços de madeira. Sinto a idade dos mesmos. Levemente. O meu sentir está nas minhas costas. Está na parte detrás de mim. O soutien prende-me os seios e eu quero respirar. Quero tirar o soutien. Quero poder despir-me em isolamento. Intimidade. Mas algo se mexe por trás de mim. És tu?
 
Há um segredo.
 
Culpa.
 
Lentidão.
 
Gin tónico.
 
No andar abaixo do meu uma mulher embriagada canta canções da Colômbia. No andar acima dela uma mulher com vontade de estar embriagada senta-se a uma mesa. No andar em frente ao meu um casal ama-se. No andar em frente ao deles uma mulher deseja amar. No andar abaixo do meu uma mulher discute com um homem. No andar acima uma mulher vive sozinha.
 
Cantemos. Em coro. Em coiro. Cantemos.
 
Há dias que a minha obscenidade atinge picos de loucura. E hoje. Somente hoje. Só por agora. Ejaculava-me no cu e lambia-me.
 
Agora. É agora.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

GLS


HiroshiWatanabe -Yuka Onozawa & Ikki Tada - Matsuo Kabuki

Há uma necessidade de mudança em mim. De limpar o pó das estantes e encostá-las às paredes. De dar outra cor aos móveis. De tirar o cotão dos fios enrolados a meus pés. Mas antes disso deixa-me contar-te esta história de amor. De uma paixão surgida em noite que se fez dia. E em dia que era noite. Numa vertigem acabada numa casa quente com lençóis sempre sujos de lama e suor. Ao que parece ele desdenhava de paixões. Insegurança? Não sabemos. Sabes? Não sei. Parece que considerava tudo isso uma lamechice do pior. Ela? Ela aparentava ser feliz na solidão. Era? Não sabemos. Mas tentava. Sim, tentava. Ao que parece tentava.
 
- E aqui estamos nós olhando um no outro, demorada e silenciosamente, como se não existisse nada melhor.
- E há?
 
Há roupa espalhada pela casa. Um bafo quente a fumo. A corpos. A whisky e manchas de urina no sofá. Roncos. Gemeres. É madrugada. Dizem. Ouviram dizer. Mas tiram-se fotografias com rebocadores e dão-se beijos em seios nus de camisolas cinzentas. Numa curva. Porque tudo acontece sempre numa curva. No começo. E no final. Curva-se para que sintamos. Há esboçar de alegria espontânea. De contentamento e angústia. Felizes porque se têm. Temem e tremem. E eu gostaria de ser ela. E sou. E gostaria de ser ele. E sou. E nas promessas de banho ela entre sempre sozinha na banheira. Acorda cedo. Aprendeu a ouvi-lo ao longe. A visualizar-lhe as pernas compridas. A querer os dedos dele nela. Um desejo. Ele que aprendeu rápido a manejar clítoris e seios.
 
- Gostas de mim ainda vendo que sou também assim?
Silêncio. Mudo. Silêncio.
 
Estranho. Não há vontade em concretizar. Em matar. Em esgotar. Não há pénis nem vaginas que o permitam. Nem membros suficientes que o expressem. Não há nada a não ser dois olhos em outros dois olhos. E uma comunhão assustadora. Completa. Terrível. Ele que procurava tarefas. Ela que deixara de procurar. Numa sala de luzes intermitentes. Ele está ao longe. De camisa preta. Há dois olhos pousados nele. E um orgulho em ser daquele sorriso. E uma procura em desfazer-lhe o corpo aos estalos. Na incapacidade de entrar pele adentro. De desfazer o corpo encontrando outro para que se reveja. E veja. E o veja. E sinta as expressões que perde quando se perde. Porque quando nos perdemos fechamos os olhos e deixamos de ver os outros olhos.
 
- Sinto-me vivo.
- Morro.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Quinta do Rei


Manuel Alvarez Bravo

Existiu um olhar. Breve? Não lembro. Mas sei que existiu. Um segredo contado com dedos de pés descalços. Uma manta de beijos sobre a minha pele. A tua. A que me clamava. Eu que te via alto e criança. Depois as nossas bocas oralizaram. E revelaram-se de dentes e línguas teimosamente irmãs. Uma descoberta. Foste. És. Uma descoberta. Foste. És. Um desejo. Um desejo que dou por mim a alimentar como se fosse menina.

Existe um acto. O de me lavares as mãos. E o corpo. E a mente com vinho tinto. Um acto que quero até ao entardecer dos nossos corpos. Uma poesia. Um bocejo. Uma vontade de te matar nos meus braços. Ou entre as minhas pernas. Ao sufoco. Agora. Já. Aqui.

Chove lá dentro. Abraça-me.

Há uma criança que trata os pais pelo nome. Que fala sobre os raios de sol como se fossem físicos. Materiais. Lembro-me dela. E de mim. Comer papo-secos ao sol de Dezembro. Camisolas de lã verde e branca. Gatos no peito e nos beirais. As flores e as amoras. Beijo a minha irmã. A do sinal no queixo.

É Alvarinho? Fresco. Neste aguardar por umas pernas que se torçam nas minhas.

Fodo-te.

Minto. Minto a quem quero. Bem. Quero bem. Muito bem. demasiado bem. Minto sabendo que minto. Minto porque o meu corpo quer. Quer. Deseja. Minto. Sinto-te.

Das minhas torneiras jorram jactos de água quente para me aquecer a pele. Sinto-me a amar-te. Por vezes. Em dúvida. Por vezes.

Nada substitui a escrita. No entanto, não consigo escrever.

Vou.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Príncipe do Calhariz



Diane Arbus


É no teu olhar que me perco enquanto procuro o que pensar.
No fogo. Na mente. Nas mãos. Nas axilas. Tudo arde. Arde em maré de vermelhos e laranjas.


Tusso.

Eu digo-te e oriento-te. Mas eu não sou eu. Apercebes-te? Sim existem dias em mim que a voz se torna entorpecida. Desculpa. 

E tu sorris-me como se eu fosse alguém especial. Importante na tua vida. E eu sinto-me pequena e inútil. Inútil como as toalhas de renda feitas pela minha mãe. Que têm simbolismo mas que eu acabo por nunca usar. Desculpa.

Há uma música que toca. A que me deste a conhecer e nem sabes a importância da mesma. Eu que te escondo a minha compulsividade e me mostro... equilibrada? E há dor em mim. Sentes? Não sei. Eu que te quero bem e te trato como um miúdo nesta minha arrogância. Torno a pô-la? Deixa ouvir o que se segue. Desculpa.


Lábios nos lábios. E uma vergonha em mim. Perguntas-te porquê. Eu respondo: eu não sou eu. Somente isso. Eu não sou eu. Sentes? É outra. Não a conheces. Esta é a completa. Mentira. É a alucinada. Inadaptada. Torno a pôr. Desculpa.

Quantas vezes mais? As que quisermos. As que conseguirmos. As que eu conseguir. Desculpa.

Telefonas e questionas-me. E eu que quero que sejas tu a decidir. Eu mulher preguiçosa. De momentos. Cansada de responsabilidades e eficiência. Decide. Porra, decide tu! Desculpa.

Choro. Desculpa.

Que grande merda... um dia escreverei algo interessante. Desculpa.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Pedrouços


Paolo Ventura
 
É no escuro. Neste escuro da luz diurna que me entretenho com os objectos que me deste. Aqueles que não querias mais porque te ocupavam espaço no peito. Os que deixaste à porta de casa. Encostados à tinta cinza azul esmalte. A palidez da minha na tua pele. A que tu chupas e mordes. Como se fosse sempre o último dia. É estranho que não te conheça. Eu que viajei em círculos. Lambo-me.

Empurro com a mão. Empurro. E empurro-me.

Lembro do tempo em que os meus passos seguiam aparentemente sozinhos. É o cansaço que me invade e não sei se me sente ou morra. Peço-te ajuda nesta ilusão que quero construir. Façamos de conta que somos felizes. E satisfeitos. Que estamos bem com a vida. Dançamos. Samba? Qualquer coisa de abanar a anca. Porque ancas como as minhas querem-se movidas. De encontro a ti. Rebolo-me.

A cara triste de uma mulher feliz. Vi. Hoje. De manhã. Os olhos apagados. As sardas morenas descoloridas. Porque são sempre os maridos tão chatos? E elas sempre tão prontas? No Inverno construímos casinhas que destruímos na Primavera para que passeemos nus na chuva de Maio. Dá-me flores que eu sorrio. Nos lábios dela húmidos perdi-me. Porque ela não sabe escolher. É corpo. Em abstracto. Sabes do que falo? Calo-me.

- Alguém tem paciência para estudar este ser?
- Eu... Eu creio que terei professor.
- E quem és tu?
- Meu nome é Kitana.
- Pois é teu... Kitana.
- Obrigado, professor.
Despedaço-me.

Que abafado. Está abafado. E será naquela casa amarela. Numa rua curvilínea. Num rua estreita. Com carros de polícia. Sem polícias. Somente carros. Brancos e azuis. Ela vai dizer-lhe que é tudo mentira. Que tudo já estava escrito antes. Que ela não inventou. Está incapacitada de inventar. De criar. Vai dizer-lhe que já existia tudo aquilo. E tudo isto. Mas animemos. Animemos. Cantemos gospel. Vestidos de túnicas brilhantes. E óculos de massa. Antes fumamos qualquer droga. Para compor. Compor um quadro que se quer ritmado. Dançante. Risonho. Abstraio-me.

São nove horas. Quando forem dez vais telefonar-me a dizer que tiveste um acidente. Que tens as duas pernas partidas. Que não te consegues mexer. Que seguras o telefone no chão. Que os teus dois braços caem-te no alcatrão. Que te dói apenas a cabeça. Um névoa densa na cabeça. Não te mexes. Espreitas. Movimentas os olhos. Estás estirado no alcatrão quente. Está quente. E são apenas dez horas. O meu número é o último da tua lista. Pedes ajuda. Eu oiço-te. Tenho vontade de te ver engessado. De te bater engessado. De te castigar engessado. De te fazer depender das minhas mãos. De teres de me pedir tudo. Comida. Água. Jornais. TV. Xixi. Cocó. Tratar-te como a um deficiente. Como a um bebé. Vingar-me. Vingar-me por seres assim. Bater-te. Venho-me.