sábado, 4 de julho de 2009

Recriar


Bruno Garcia - Santinha

Refresco-me quase nua numa languidez doce pela sujidade da minha casa. Pela ausência de banho no meu corpo.
Durmo. Sonho. Com bombas e bombardeamentos. Nas tardes de Verão a sala com janela aberta sabe a caramelos. Sorrio.
Relembro que antes de dormir encontrei mais uma foto. Dele. E na descoberta eu maravilhada qual menina que encontra o cromo perdido. O que faltava. O que era importante.
Abro a boca. Sonhei com feiras. Sonho muito com feiras, mercados. Com uma imensidade de bancas com tecidos e cores, pessoas, texturas, vozes, pregões. Onde me perco. Não saí como queria. Ofereço a mim mesma um repouso que já não tenho há muito.
Bom. A sombra da casa em frente bate nos cortinados.
Tenho coisas por fazer. E vou fazer nada. Nada. Folheio um livro. Não leio. Sopro na mesa. Não limpo. Desvio-me dos chinelos no chão. Uso a caneca já usada para não sujar uma outra.

Onde estão? Estão aí. Junto a ti. Eu não tenho nada. Apenas esta cola no corpo que me prende aqui a este sofá nojento.
Os cigarros ardem. Um. Dois. Três.
Sabes? Sabem? Eu excito-me. Excito-me como porca quando vejo a cara dele. Há uma em que ele parece um chulo. E excita-me o ele parecer um chulo. Hei-de oferecer-lhe um anel de ouro para colocar no dedo mindinho. E beijo-o. Beijar-lhe-ei o anel.
E tudo o mais. E mais.
E rio-me. Sou bipolar. Tanto estou no Pólo Sul como no Pólo Norte. Deixem-me.
O meu pai chama-se Napoleão.

Eu podia escrever sobre? Sexo? Dor? A minha mãe. Ou a minha irmã e em como ela levava as bóias cheias para a praia. Em como ela consumia lentamente e com recato os chocolates que lhe ofereciam. E em como eu e a outra os comíamos.
Ela hoje é grande. No entanto eu olho-a e sinto que ela continua a brincar às casinhas. Às mães e aos pais. O olhar dela perde-se.
Olha para o infinito. Pensa. Analisa. Tudo tem de estar arrumado. É uma fada a minha irmã. Uma fada do lar. Eu sou a bruxa. A bruxa boa. Tenho a saia rasgada e a vassoura meio careca é de piaçaba. Mas eu nunca gostei de lantejolas e sempre preferi o mistério do sapo ao classicismo do príncipe.

Eu fazia teatro. Fiz uma peça sobre moscas. E outra sobre um pastor guerreiro. E outra em que era gato e os bigodes foram feitos com cortiça queimada. Deitava-me por baixo da árvore e miava, miava. E na minha frente tinha o ponto que nunca me disse quando miar. Na plateia não me viam. Mas eu ali estava. Estou sempre, mas raramente sou vista. Ou não.
Quando for grande quero perder-me na minha rua.
Tenho sede. Bebo água. Tenho sede. Bebo água.
Tenho sede.

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