quinta-feira, 2 de julho de 2009

Travessa da Glória


Cindy Sherman - Jill's Interior

Subo a Calçada do Garcia. Em curva e contra-curva. Mulheres pretas de chinelos dourados. Mulheres pretas de vestidos compridos coloridos. Mulheres pretas de cabelo brilhante e sorriso branco. Homens sentados esfregando as mãos. Crianças que choram dentro de uma loja. Subo a Calçada do Garcia. Ao fundo um arco a lembrar palácio. Subo.

Que triste.

Eu.

Faço-me acompanhar para não estar sozinha.
Debrucei-me no parapeito, mas que pensei... que pensei eu ali ao vento olhando Lisboa? A minha incoerência. E que motivos? Que medos? Que abismos...

Senti-me maltratada. Eu que não sei ler. Senti-me. Encosto-me ao pilarete e fumo um cigarro. Só porque gasto cinco minutos do meu tempo. Do tempo que tenho a mais na minha cabeça. Fuma, fuma.

Ao longe oiço uma voz. Pergunto:
- Que estátuas são estas?
- Os Apóstolos?
- Mas são oito...

Decepados. Lembrando o local onde estão. Desmembradas.

E agora aqui, neste momento, acendo outro cigarro, dou um gole no café. Ponho o ponto final que era mas já não é. Como muitos. Que queres tu? Não sei. Mas tenho medo.

Sempre fui cobarde. Sempre precisei de pressão para me decidir. Sempre adiei um corte de cabelo, uma ida a um médico, a carta de condução. Não adio o acordar. Erguer da cama. Mas adio-me. Adio-me diariamente na esperança vã de amanhã ter mais segurança. De amanhã ser melhor dia.

E o carinho. O carinho que transborda. A pele que se alimenta. Luzidia. E uma vontade de estar. Uma vontade de ser. Silencio-me.

O meu corpo dei. Entreguei. Ofereci. Vendi. Ofertei. Desmaiei. Entonteci. Alimentei. Comi. Tropecei. Vesti. Despi. E todas as manhãs o meu corpo me pede. e todas as noites ele chora. Castigo?
Quero lê-la. Lê-la porque lê-la faz transbordar uma forma de sentir em mim. Onde me dou em palavras. Escritas. Mas tenho medo de lê-la. Tenho medo desta névoa em mim. Quando se dissipa sinto-me... banal? Que queres tu?

Tenho roupa no estendal.

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