quarta-feira, 29 de julho de 2009

são verdes


Ricardo Passos

Existe um cansaço que trago colado às costas. Um espetar de pregos. Um entorpecimento nas pernas. Uma maré baixa na testa. Existe um sabor a rumo ao desconhecido na minha boca. Um retomar. Um dirigir sem saber onde parar. Para comer. Parar. Para dormir. Parar. Para estar. Para ser. Uma tomada de decisão que não o é. Foi-o porque assim teve de ser. E existe uma noção a crescer. Que já existia. Mas cresce. E eu receio que cresça. Eu que sempre vivi intensamente. Que sempre me dediquei a tudo como da primeira vez. Sinto. Sinto algum cepticismo. Alguma desconfiança a mim mesma. Algum descrédito. Mas... talvez seja a altura do mês. Talvez seja o trabalho. Talvez sejas tu. Talvez... Talvez.

Minha querida. Como te adoro. Como adoro essa tua expressão de olhos dançantes. De boca semi-aberta, semi-fechada. De cara de menina mulher. De expressão pontuada e correcta. Como adoro esse teu olhar límpido. De água. De fonte. Olhar de oceano. Grande e profundo. Como tu. Minha querida. Que ingénua sou. Julgava-te "curada". Como se nos pudessemos curar. Como se o que fossemos fosse uma doença. Um cancro que nos consome. Mas não. Sofremos de um mal de sermos grandes. De queremos mais. E mais. De sermos crianças à descoberta. De desejarmos estar de joelhos. Não é mal. É essência. Não é doença. É querer. E nesse querer a insatifação. E a intensidade. Minha querida. Às vezes sento-me aqui a fumar cigarros. Fumo. Fumo e penso. E lembro. E oiço. E vejo. E a minha riqueza traz-me sozinha. Mas com sorriso. Minha querida. Tentei. Tenho tentado. Tenho tentado fortemente dar-me em afecto. Tenho tentado fortemente não me mandar dos declives. Mas aprendi a cair. A levantar-me. A voar. A planar. E agora... agora parece que ando viciada. Mas é só agora. Amanhã paro e penso que tenho de me converter às minhas caixas de madeira, às minhas caixas de cartão, às paredes de minha casa, a coser botões. Minha querida. Não sei o que te diga. Foi sempre o silêncio que nos envolveu. E ligou. Olhos meus nos teus. Olhos teus em mim. E um medo. Um medo que na primeira palavra, o teu olhar que é o meu, saiba na minha boca a confronto. Saiba a vinho verde. Ou maduro. Minha querida não esqueço o teu cheiro. A silêncio. A calmia turbulenta. Minha querida, amo-te e adoro-te.

Salto. Primeiro tu. Depois tu. Depois ele. E foi ele. E tu. E agora tu. Salto.

Vou fazer um desenho. Um desenho em que me ponho no meio. E à volta da folha branca desenho bolas. Bolas que se assemelham a pichas. Que se assemelham a conas. Que se assemelham a esporra. Que se assemelham a chicotes. Que se assemelham a olhos. Que se assemelham a cus. Que se assemelham a mãos. Que se assemelham a corpos. Que se assemelham a facas. Que se assemelham a mim. E no meio das bolas cruzes. Cruzes que se assemelham a amor. Que se assemelham a afectos. Que se assemelham a carícias. Que se assemelham a beijos. Que se assemelham a cumplicidade. Que se assemelham a mimos. Que se assemelham a paridade. Que se assemelham a mim. Desenho. E depois de concluído. Depois de pousar o lápis. Sento-me. Como deus. Sento-me. E não sabendo o que lhe fazer. Onde o por ou colocar. Expôr ou mostrar. Enrolo a folha na mão e mastigo-a. Vai saber a... vai saber-me a mim.

4 comentários:

  1. Posso-te contratar para escreveres as ninhas cartas de amor? Eu depois "edito" e tal, corto umas partes, mas tenho a certeza que ficavam muito melhores que as minhas. Pago ao carácter. Bolas. :-)

    ResponderEliminar
  2. Por vezes visitas-me. Sentas-te ao meu lado, como naquela última noite, olhas-me, sorris-me em silêncio. Trocamos pensamentos, soltas uma gargalhada de cumplicidade apaixonada e esvais-te.
    Quando ainda ali estás o mel que se solta dos teus olhos besunta-me como unguento forte de curar feridas. O teu colo maternal e as tuas mãos de criança.
    Pergunto-me: Onde andarás? Mas sei que caminhas melhor sozinha e que o mundo é a tua casa e sei que a gargalhada que ainda ecoa em mim se solta ainda de ti.
    Morres e renasces. Renasces sempre. Mas nunca morreste em mim. Habitas-me. Um amor desmedido e incompreensível.
    Somos sempre aquilo que somos. Tu tens a sabedoria de não te tentares enganar. Aprenderei contigo, um dia, quando crescer.
    Caminho ainda em duas estradas paralelas mas adivinho um corte, uma encruzilhada, um desvio. Talvez ali me cruze contigo outra vez.
    Talvez um dia me transforme em pássaro como tu e aprenda a voar. Para já rastejo como quem procura um precioso e microscópico amor.
    Sim, amo-te. Como te amei.
    slavegirl

    ResponderEliminar
  3. Amo-te. Ontem, agora e sempre. E não é ideia. É facto. Mas fico sem palavras. Sempre sem palavras. O teu silêncio engole-me. Amo-te e obrigado por existires. Mesmo que aí. Mesmo que sem palavras. Nunca necessitei delas. Não de ti. Amo-te.

    ResponderEliminar
  4. Por vezes penso que é a vida que é a grande doença. Mas para o saber supostamente já estamos vivos. Too late, the dogs of war are wild and at their own...

    ResponderEliminar