quarta-feira, 22 de julho de 2009

Medeia


Leonardo da Vinci

Vestir-me de prostituta. Pentear o cabelo como prostituta. Maquilhar-me como uma prostituta. E bater à tua porta. Passar pelos teus vizinhos simulando trejeitos de boca e olhos neles. Subir as escadas bamboleando as ancas. De mini-saia. Uma puta.

Existiu um silêncio em mim. Por ter muito para dizer e não poder. Agora existe um silêncio em mim. Por ter muito para dizer e não conseguir. Um silêncio com cheiro a pó de caminhos de terra batida. Com sabor a cigarros pela manhã. Com som de esquina e miares de gato. Um silêncio com som de vizinhos que discutem e se agridem. Com som de árvores de folhas ao vento. Com som dos meus cabelos batendo-me na cara. Com som dos carros passando ao longe na ponte. Com som de lábios cerrados. Com som de sono e olhos cansados. Com o som da mais bela melodia. Um silêncio branco. Para onde todos os sons convergem. Os que me rodeiam e os que não oiço e nunca ouvirei.

Elas vestiam-se e maquilhavam-se. Rodavam em frente ao espelho. Retoque aqui. Retoque ali. Ensaiar sorrisos e olhares. Eu sentada. Despiam-se para se vestir e voltar a despir. Trocavam piadas e risadas. Dançavam e sorriam. Comiam bolachas com sabor a baton. E eu ali sentada. Um dia vesti o vestido que me deram. Nas pestanas uma coisa preta. E eu levantei-me. Sentei-me. Levantei-me por que me pediram. Fui e passei a noite sentada. O vestido não era eu e eu não conseguia caminhar com ele. Sentia-me... outra. Mas não como com uma máscara. Não vestindo um papel. Apenas outra. Igual a todas as outras.

A minha irmã é bela. Tem um nariz adunco que eu adoro ver de perfil. Ligeiramente inclinado. A cara de testa grande termina num queixo marcado. A minha irmã é bela. Ensinou-me a gostar dos números. Da Matemática. Da Física. Não passei para a Electrónica. Preferi dormir. Ressonar num sono profundo.

Que gaita! Que grande merda! E agora? E agora? Diz-me, que faço eu agora?
E refiro-me a... a nada e a tudo. Ao que eu quiser.

Li-a. Li sobre ela. Era uma mulher. Uma sedutora. Uma carente. Uma sedenta. Parece que se baralhava. Nas palavras amor e sexo. Parece que não as conseguia combinar. Mas eu cansei de lê-la. Agora vou dançar. Dançar com lágrimas a escorrer. Porque existe o silêncio. Porque já não existem testemunhas. Não existem mais testemunhas. Quem quer testemunhar? Só ela. Só ela.

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