terça-feira, 7 de julho de 2009

Adoro-te


Alberto Garcia-Alix

Cheguem-se para lá. Todos. Tu também. E tu. E tu. Dêem-me espaço. Preciso de espaço. De abrir estes braços magoados. De abri-los e ver se ainda consigo voar. Levantar voo. Não me condicionem. Não tentem fazer-me à vossa imagem e semelhança. Não quero. Não posso. Eu procuro. Procuro mais do que isso. Sou cativa de sentir. Estou cativa de sentir. E só assim escrevo. Só assim grito. Só assim gemo. E amo. E excito-me. E odeio. E grito-vos para que se cheguem para lá.
Não me peçam para ser diplomática. Nem ser coerente. Nem dizer amanhã o que disse hoje. Nem esta noite o que disse de manhã. Nem serei alegre e feliz. Serei tudo isso e miserável. Degradante. Infeliz. Triste. Não vou ser simpática. Nem agradável. Não me vou deitar em camas limpas. Também gosto de camas de cão. De lençóis enrolados e sujos. Não me peçam banho todos os dias. O meu cabelo sujo ganha jeitos. Como o corpo. Como as mãos. Cheguem-se para lá. Não usarei essas botas. Nem as saias. Nem as meias. Nem cuecas fio dental. Não usarei os brincos e as pulseiras. Não consumirei limonadas de 3 euros. Não quero. Não quero ir a restaurantes de catálogo. Não quero. Não vou. Deixem-me sem saber quem é o primeiro-ministro. E o presidente. Deixem-me pensar que está tudo bem. Ou tudo mal. Se de manhã. Ou se de noite.
E não queiram que eu seja morna. Não sou. Sou fria. Mas escaldo. Sou uma cadela. Tenho cio. Tenho fome. Tenho sede. E bebo vinho. Ou não. E bebo. E arroto. E limpo a boca à parte de trás da mão. E cuspo. Cuspo em mim. E cuspo em ti. Não queiram que sinta pudores onde já me libertei. Não queiram que não consuma drogas. E vocês que se julgam imorais não queiram também que a minha imoralidade seja igual à vossa. E que me espelhe nas vossa regras. Deixem-me. Sou o que sou. Afastem-se que cheiro mal. E cheiro a rosas. Tenho marcas no rabo. E cago. Cago feio e cago sujo. E tenho pêlos. Pêlos que corto, e arranco, e barbeio, e aloiro. Não. E tenho cheiros. E urino-me. No chão. Nas cuecas. Na cozinha. Na sala. Porque a mim foi dado um papel que falava em liberdade. Mas deixem-me. Quero aprisionar-me. Quero acorrentar-me. Quero ser sodomizada. À bruta. Em dor. Num rasgo. Quero ser batida. E marcada. Com ferro em brasa. Com ardor. Com medo. Com terror. Deixem-me os braços. As pernas. O tronco. Deixem-me de unhas roídas e dentes careados. Deixem-me pobremente vestida. De sapatos rasos. Deixem-me gritar o meu amor mesmo sendo abandonada. Deixem-me ser ridícula e mal-amada. Deixem-me ser louca. Descalça e esmurrada. Deixem-me comer carne gorda e gorduras saturadas. Deixem-me deitar no sofá dias a fios. Deixem-me ter esperança na possibilidade. E não ter. E ter. Deixem-me pensar que posso ser a puta e a mulher. Que posso ser uma mulher puta ou uma puta mulher. Deixem-me saltar desajeitadamente. E ser má no que faço. Não saber. Ignorar. Deixem-me. Só assim. Só assim. Não sou. Nem serei. Não sou. Não serei.

1 comentário:

  1. e agarro-te
    e puxo-te para mim
    e não saio
    e não te largo
    e amarro-te
    e não te liberto
    e far-te-ei vestir as saias
    e usar as botas
    e as meias
    e as cuecas de fio dental
    enquanto bebes uma limonada de 10 euros
    num restaurante de catálogo

    e irás à casa de banho desse restaurante
    e lá te masturbarás
    e tirarás as cuecas
    que me entregas à mesa
    e sentas-te
    com a cona molhada na cadeira de luxo
    e ali deixarás a tua marca
    porque vais levantar a saia
    que eu vou querer que uses
    e as meias serão rasgadas
    quando te foder
    em cima da mesa,
    se necessário for

    não te negues

    és tudo

    és tudo isso
    e mais
    mais do que queres negar
    mais do que podes pensar

    és tudo

    serás tudo

    porque és a puta-mor
    minha

    ResponderEliminar