sexta-feira, 10 de julho de 2009

Bebedeira


Robert Doisneau

Os pássaros. As manhãs de Verão e o chilreio. Relembro a angústia do chilreio de outros tempos. E de em como isso me incomodou ao longo de anos. Um condicionalismo que transportei comigo e do qual me libertei à custa de acreditar que o chilreio dos pássaros não é sempre igual. Naquele quarto de portadas amarelas as manhãs eram pesadas e existia em mim uma angústia primordial que me carregava de cinzentos e batons pálidos na boca. Levanta-te. Vai. Vive. Tens de ir. E o não querer. E o não conseguir. E o não ter vontade a não ser para me deixar ficar ali. E o medo. O medo que me acompanhava. O medo de sair à rua. Sóbria. A sobriedade que magoa. Nesse quarto com o chilreio dos pássaros que eu hoje oiço de uma forma diferente. Construir. Construir. Vê-los voar e pensar que não são eles. Não são eles que ditam a minha felicidade. Pássaros.

Acelera. Agora trava com força. Estampa-te. Com força. Como gostas. Depois podes embrulhar-te em ligaduras. Engessar pernas e braços. Colocar vendas nos olhos. Dar Ais e Uis. Colocar um olhar de vítima. Sentir-te só. Sozinha. Sentir no mundo a força que não tens. Pequena. Inferior. E deitar lágrimas. Chorar por tudo aquilo que perdeste. Por todos os ossos partidos. Os teus e o dos outros. Para que o choro seja ainda maior. Para que as lágrimas corram como rios. Sem barragem. Aí e aqui sem barragens. As barragens só existem no coração. Ou talvez não. Talvez existam apenas na minha cabeça. Vê como és uma vítima. Vítima de um acidente mortal sem mortes.

E é uma merda. É tudo uma grande merda. Estes ciclos. E ciclos. E o querer e ter medo. O querer e dividir-me em duas. O querer tudo e ter medo de tudo. Eu que pensava que estava resolvida. Pensava? Não. Quis acreditar. Quero acreditar que os meus condicionalismos podem morrer. Que os posso matar à facada. Assassinar em mim pensamentos que não são meus e que tomei como verdadeiros. Que a rejeição em mim não é fatalidade. Nega-te agora antes que te neguem de seguida. Chama-te de puta antes que te chamem. Goza contigo antes que gozem. Sê a primeira. Sou a primeira. Ponto final. Sou tão rápida a por pontos finais em forma de reticências.

Oh mulher. Cansas-me. Saturas-me. Não podias ser mais descomplicada? Pensar menos. Reagir menos. Sentir menos. Viveres a corrida de ratos. Casa. Trabalho. Marido. Filhos. Festas. Concertos. Praia. Férias. Compras. Jantares. Almoços. Sem pensar. Sem sequer pensar em escrever. Escrever é para inúteis. É para quem se baralha.

Show me slowly what i only know the limits of. Devagar.

1 comentário:

  1. As pedras não choram, os cinicos nao choram. Mas sao os cinicos que repetem e nao tu. Sao os cinicos que so podem subir a escada da sofisticação do jogo, até se fartarem e cairem no seu vazio suicida e egoista. Quem e capaz de amar nunca repete, tem sempre a capacidade de inovar. E tu sabes como es capaz. O amor complica admito. O jogo vazio é cadáver histerico adiado. E tu propria ao aprenderes como o tens feito, tens a coragem de dizer sim, não, ou talvez. De nao vender a tua solidão por um estimulo gratuito. A puta e a mulher podem finalamente passear juntas. E conversar. Os egoistas que se fodam.

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