quinta-feira, 23 de julho de 2009

Calma


Balla Demeter

Um dia adormeci no comboio. Estava bêbada. Entrei e ainda faltavam uns minutos para que ele partisse. Adormeci. O whisky fermentou-me na cabeça e transformou-se em pedra. Quando acordei olhei e pensei que já tinha passado a estação. Corri. Saltei do comboio. Olhei. Vi o comboio seguir. Uma linha. Olhei. Vi que estava na estação seguinte à da partida. Teria dormido? Teria dormido quanto tempo? Teria ido ao fim e voltado para trás? Não sei. Desde aquele dia que não sei. Não sei se fui ao fim e voltei se apenas saí na estação seguinte. A que não era para sair. Mas onde saí.

Voltei a apanhar o comboio. Creio. Era já de noite e não me pude olhar no espelho. Certificar-me que era eu e não ela. Mas sendo eu ou ela fui. Na linha. E desci na estação certa. Na última. Era a última. E aí perdi-me numa terra junto ao mar. Um mar cinza. Como a noite. Era Outono. Creio. Perdi-me e depois procurei um telefone. Quis ligar ao amante dela. Que tomei depois como sendo meu. Ou seria meu e ela apropriou-se dele? Não sei. Ainda hoje não sei. Quem foi a primeira...
Ele atendeu-me com voz de sono. Eu suspirei por senti-lo em casa. Estava só. Perdida. Junto a um mar cinza. Precisava de companhia. De um abraço. De uma mão. Ajudas-me?

Era tarde. Lembro-me que era tarde. Eu começava a ter sono e ela queria dançar com ele. Ele também tinha sono. E amanhã trabalhava. Amanhã? Amanhã logo se vê. Amanhã é longe. É uma distância imensurável. Anda. Vem. Vem buscar-me. E de mão dada a mim ele levou-me. Deu-me de café. Deu-me de água. Depois levou-me a sua casa e deu-me de jantar que não jantei. Eu. Ele olhava. Ela ria. Ria por ele ser assim. Ria por me ver assim. Tola. Provocou-o. Ou fui eu. Uma das duas provocou-o. Encostou-o ao balcão e esfregou-se. Prendeu-lhe as mãos e cheirou-o. Contou-lhes sonhos e segredos ao ouvido. Ele parado. Ela ou eu segredando. Sorrindo. Sim. Não se faz. Estás bêbada. Sim. Não se faz. Voltei-o para mim não se faz. Dá-me um beijo na minha boca impestada. Dá. Dá.

Ela deitou-se no sofá. De cabeça apoiada nas mãos. De pernas semi-abertas. Olhando na janela em frente. Sentido o tecido mole e rugoso do sofá de encontro a barriga. De encontro os mamilos. Vem. Disse eu. Vem. Ele deitou-se sobre o meu rabo grande e com o corpo cavou um fosso. Senti-o. Senti. Mãos nas nádegas. Mãos nos seios. Um círculo e meio e... ai. Ai. Fundo. Gritava ela. Em círculos. Gritava eu. Mãos nos seios. Força. Forçando. Ai. Sim. Estava bêbada e aqueles empurrões sabiam-me a montanhas russas. Todo dentro. Todo. Abrandou e eu estava num barco em rio pacífico. Devagar. Devagar. A janela na frente. O caixilho em madeira branco. Uma sujidade no canto do vidro. Estar bêbada, estando desperta. Estar bêbada sentido tudo. Ele falou-lhe entre dentes. Para ela. Eu mantinha-me em silêncio. Olhando a janela. Um. Dois. Três minutos. Trinta. Trezentos. Teria ficado ali até hoje. Naquele sofá à beira janela plantado. Ali. Ela riu-se. Tola. Com força.

Aos saltos. Os seios abanando. Saltitando. Segurou-os. O tractor rebentava-lhe os peitos. Maldisse aqueles caminhos de pedras e terra batida. Que este fosse o último ano que para ali ia vindimar. A primeira vez que olhou na vinha e não lhe vendo o fim pensou "nós nunca conseguiremos terminar isto". Mas terminaram. Terminaram. E nem um cacho de uvas ficou por apanhar.

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