quarta-feira, 15 de julho de 2009

Maternidade


De LaGrace Volcano

Existe roupa que demora dois dias a pendurar-se na corda. As asas que têm são pequenas. Voam devagarinho. Devagarinho.
Lavamos a cara e as mãos. E o corpo que se quer brilhante como cebo. Lavamos. Purificamos. E ajoelhamo-nos perante o pai e o filho. Depois do sabonete e do shampoo. Depois do pequeno-almoço tomado em esplanadas de calçada. Que coisa preta. Que coisa branca.

Já ouviram falar em Epifanias?

Eu não. Até...
Eu sim.

Foi de repente. Tudo mudou. Ainda tenho dificuldades em perceber como. Assim. De repente.
Desculpa. Desculpa eu ser assim tão ligada às sensações, aos sentimentos. Desculpa. Choro. Do coração. Desculpa. Faço-te o luto e ainda não me vesti de preto.

Fado do cigarro.

Trazem-me cadeiras, sofás, camas, cadeirões, para que me sente. E eu que não me quero sentar. Não quero. Obrigado. Deixem-me de pé. Em pé.
E sinto-me um poço de amor. Porque fundo. Porque inesgotável. Porque olhamos e vemos apenas a superfície. Porque não me apetece explicar que existem líquenes, e sapos, e musgos, e toda uma diversidade de vida. Corpos que se banham na água. Surdos.

Sal e pimenta. Água e Fogo.

Se não fossem as pessoas a minha vida seria vazia. Seria nada. Se não fossem as pessoas era a maior das solidões. Se não fossem as pessoas eu seria uma brisa sem força. As folhas das árvores cairiam no final do Inverno. E a janela mesmo que aberta pareceria sempre fechada. Se não fossem as pessoas eu não era.

Não esperava arrebatamento. Não. Julgava-te racional. Mais contido. A medo. Com receio. Receio de mim. Eu que gosto de ser serpente. De colocar questões. É como comer morangos no morangal.

A minha mãe, ao que parece, pois não me lembro, por vezes não tinha paciência para nós. Sentava-se no cadeirão que agora é meu e dizia-se cansada de moços. Lia. Hoje tenho uma reunião às onze. E ficava aqui. Nesta janela branca. A preencher esta janela branca. Com corezinhas pretas pequenas. Em forma de letras.
É às onze.

1 comentário:

  1. Gostei deste texto; está bem conseguido o jogo entre o real das obrigações do quotidiano e um outro mundo, mais íntimo. E gostei da singeleza quase naif da prosa utilizada

    :)

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