domingo, 26 de julho de 2009

manga na cara olhos em ti


Eugene Atget

Há algo que está terminando. Algo em mim que está fechado portas. E janelas. Vem aí vento. Ou o Inverno. E fecho-me. Fecho as portas de minha casa. Encerro as portadas. Mudo-me de casa. Tapo os móveis com lençóis. Brancos. Alguns de linho. Outros de algodão. Engomados. Não são meus. Há algo que eu sinto. Sinto. Sinto que vou encerrar um ciclo. Que vou terminar algo. Só agora começo a vestir-me de preto. Só agora. Depois do esgotar uma procura muito minha. Depois de rodar em busca da minha própria cauda. Feita cadela. Encerro. Talvez deixe de escrever. Talvez deixe de pensar nele. Talvez me sinta triste. Ou alegre. Mas algo vai mudar. Sinto-o, nos poros da minha pele. Sinto-o no meu olhar quando me reflicto num espelho. Sinto na minha casa. Sinto na forma como espero os amigos. Sinto na forma como converso. Como falo de mim. Como falo do meu passado. Como oralizo o meu presente. Algo vai mudar. É. Vai. O quê? Ainda não sei. Não sei. Mas vai. Conheço-me. Sinto-me. Talvez deixe de escrever sobre sexo. E escreva histórias infantis. Ou romances cor-de-rosa. Ou novelas pornográficas. Ou não sei. Talvez mude as paredes da sala para verde. Ou laranja. Ou roxo. Não sei. Mas sei que não serão somente paredes. Sei que derrubarei. Que vou destruir. Que vou mandar abaixo. Que vai existir entulho. Que terei de chamar a Câmara. Sinto. Talvez deixe de ter dois e-mails. Talvez mande fora o vestidinho preto sujo de tinta e rasgado. Tão meu. Tão cheio de vida. Talvez deixe de olhar as fotos dele. De o procurar. De o ler. Talvez o meu amante deixe de o ser. Talvez ele se apaixone por uma mulher. Por uma outra que não eu. Talvez fique sozinha. Sem corpos onde me enrolar. Sem jantares sem roupa. Ou talvez continuemos. E nos demos. E nos demos mais ainda. Talvez eu consiga mandar abaixo estas paredes. E dormir mais horas. Escrever. Escrever. Talvez vá aprender a dançar salsa. E bolero. E rumbas. E vá para um ginásio. E corra de manhã antes de trabalhar. Deixe de fumar. Vá para um convento. E me dedique à horta. A plantar nabos, cenouras e couves. Cebolas, alhos e salsa. Talvez corra com ele da minha cabeça. Talvez... e ainda que gostasse que a disponibilidade emocional dele fosse compatível com a minha sinto que não é isso que acontecerá. Ele tem asas. Pois que voe. Voa. Não tas posso cortar, e ainda que pudesse não quereria. Voa. Que eu aqui me quedo. Talvez eu escreva uma última carta de amor. Talvez eu termine estas lágrimas. Com estas lágrimas. E talvez eu chore pela minha governanta. Talvez me perdoe. Talvez procure o seu perdão. Talvez eu deite as lágrimas que ainda não deitei. Talvez eu consiga explicar-lhe que tudo valeu a pena. Que valeu a pena. Que ele vale a pena. Que nós valemos a pena. Que o adoro. Que mantenho a minha admiração por ele. Que... se eu fosse diferente. Mas não sou. Sou o que sou. Este material em combustão. Sim. Há algo que vai mudar. Há algo que está em mudança em mim. Existe um sentimento de perca. Transformamo-nos. E essa mudança traz-nos a angústia da perda. Perde-se sempre. Para se ganhar. Na mudança. Talvez me apaixone por uma mulher e mude de sexo. Talvez olhe em mim e veja um membro pendurado e grosso. Talvez ria quando me masturbar. Talvez chore quando olhar na minha rua. Talvez eu encontre o amor. Ou aceite esta minha forma de ser. Sempre à procura. Sempre a querer. Talvez eu... aceite e sorria ao recordar. Sim, há algo que está mudando. Há algo que está terminando. Sinto-o. Já consigo ouvir outras músicas...

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