sábado, 11 de julho de 2009

Possibilidades


Magic Zyks

Era uma história de amor. Li-a já não me lembro quando. Lembro-me de me apaixonar por ela, pela que se sentava na relva. De sentir que eu era ela e ela era eu. De saber o que ela sentia. De me fascinar o silêncio dela. De se manter ali. Do amor passivo ainda que em turbilhão. De saber que ela sabe. Da impossibilidade. Lembro-me de tudo. Como me lembro. Ainda que não me lembre de nada. Do texto. Mas lembro-me do que ela sentia. Pois eu também sinto. De como ela se sentava no jardim olhando a janela iluminada. Sabendo-o com outra. Deliciando-se por sabê-lo com outra. Pedir. Pedir que lhe fosse dado todo o prazer. Que a outra lhe fizesse coisas maravilhosas, lhe desse tudo o que existe de bom neste mundo. E, ela lá sentada no silêncio. Sabendo que, ainda que amantes, existe sempre uma impossibilidade. Saber que as pessoas nunca se bastam. Que os corpos revelam sinais e desejos inconfessados. Que podemos amar e trair sem trair. Lembro-me de pensar que também eu me quero sentar na relva. E conseguir ser silenciosa como ela. Também eu já me sentei na relva. Umas vezes em silêncio, noutras em dor.

Era uma história de amor. Uma outra. Que não foi escrita com palavras. Foi-o com sentimentos. Existe uma mulher. E existe um homem. Um elo. Uma relação. Os dois adoram-se. Existe um elo forte entre eles, carregado de tesão e luxúria. Eles poderiam virar o mundo. Poderiam transformar-se em aves. Juntos as gargalhadas. Juntos o prazer. E existe uma impossibilidade. A tal que aparece. A que não permite. Por incapacidade, por existir uma terceira pessoa, porque podemos desejar sem que nos queiramos moldar. Porque existe uma Casablanca. Porque somos fascinantes e diferentes. Ela poderia fazer-lhe uma proposta. Já antes fizera. Desesperada propõe. Propõe tudo de forma a não perder. Não gosta de perder. Não quer perdê-lo. Quer sentir. Viver. Fazer-lhe a proposta que a faz feliz. Talvez. Será que faz? Vamos supor que sim. Que a faz feliz. Não teremos nada que não sexo. Brutal. Suado. Quando eu e tu quisermos. Quando quiseres vens. Eu dou-me. E não esperarei nada. Podes usar e ir. Sem expectativas. Assim será mais fácil para ela. Sabendo que ele virá e sairá. Que não há elo. Que a adoração será sempre ao longe. Ao longe com ela deitada na cama. Com ela a dar-se a outros e desejando-o. Vivendo o desejo, por ele, com outros. E com ele de vez em quando. Preciso que me fodas forte. Perderão a cumplicidade. Ou não. Pode ser que ela por vezes lhe envie flores e chocolates em forma de letras. Ou não. Pode ser que ela o faça cúmplice da sua luxúria e dos caminhos que trilha. Mas sozinha. Porque ela por vezes pensa que uma puta quer-se só. Só porque não pode sentir que o amor lhe é negado. Assim. Cru. E ela lembrá-lo-á como a impossibilidade de uma vida. Como podemos ser tudo não sendo nada. E sorrirá sempre que o souber bem. E a dor. A dor virá também mas nessa não se pensa. Sente-se.

E agora uma outra história. Outra história de amor e paixão. Existe uma casinha no campo. Num monte de uma colina. Pequena. Arejada. E junto à casinha uma árvore. E junto à árvore um homem nu. No olhar do homem monstro bicho nu, algo sobrenatural. Uma força arrasadora de ventos e espumas de mar. Uma profundidade que seremos sempre incapazes de alcançar. O olhar. Escuro. De olhos escuros numa mulher amarrada à árvore. Marcada e vergastada. Ranhosa, em lágrimas de sal e sangue. Mas... sorri. O homem desprende os nós e chama-a a ele. Cambaleia e agarra-se-lhe. Mais. O abraço. Um estalo. Ela ri. Obrigado. Obrigado. Ele ri. Porque ris? Puta... Ela foge. Tem de fugir para que o sinta atrás dela. Presa e caçador. Vítima e carrasco. Ela apanha-a fácil e fá-la cair. Ela debate-se. Esperneia porque gosta de guerra e lutas. Porque gosta de sentir o seu corpo puxado, dilacerado, objecto de luta. Um sopapo. A calma dos corpos na lama, na terra seca de Verão. Ela levanta-se gazela e caçador. Olhos de loucos um no outro. Olha nele. Olha nela. Baixa-se e revolve a terra com a mão. Olha-a. Revolve a terra com a mão olhando nele. E ele nela. Agarra na terra com a mão e leva-a à boca. Mastiga-a. Mastiga a terra. Come porque pouco mais há a fazer. Porque tudo é possível. Porque ele a põe louca. Porque a terra é uma possibilidade. Porque existe entrega e essa cria vidas que não são vidas, são intensidades. Sou capaz de tudo. Pões-me capaz de tudo. Já era capaz de tudo mas agora contigo a meu lado sou capaz do infinito.

Histórias de amor. De amores meus. Porque os meus amores são sempre assim. Negados, jogados, entregues, intensos, sentidos, sexuais. Porque aos meus amores não lhes serve a banalidade. Os dias e as horas. Nascem para se perderem e na perdição morrem. E ressuscitam para voltarem a morrer.

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