terça-feira, 28 de julho de 2009

Milagre


João Carita - Lost my job because i am pregnant

Ele queria que eu lhe lesse. Um livro. Um livro dos meus. Dos que leio. E folheio. E pouso. E revolvo. Na mente. Na boca. Nas mãos. De encontro ao meu corpo. E cheiro. E lambo. E esfrego. De encontro ao meu corpo. Mas nunca o fiz. Foi breve. Tudo é breve. Comigo. Breve. Um soluço. Um pousar de abelha. Um já foi. Um já não é. Eu que quero. Que desejo. Que me estimulo. Que me quero dar. Tudo breve. Em mim. Em ti. Foi. Fui. Foste.

As minhas noites têm o dobro das horas dos dias. E os dias tem horas que não conto. Estou aqui mas podia estar aí. A teu lado. Ao ao lado de alguém que pousasse a cabeça entre as minhas pernas. Porque só pousa a cabeça quem quer e ama. Um ninho. O meu ninho. Faltam-lhe os ovos. O Inverno chegou. A aves migraram e eu fiquei aqui prostrada à tua espera. Ou à minha. Eu a que sempre escolhe. Em segredo. Escolhi-te. Sentes? Tal como escolhi os anteriores. É. Sou assim. Uma predadora. Uma caçadora. Mas não temas. Dou na proporção em que roubo. Sim. E há quem se contente com nada. Nada de nada. Há quem prefira rastejar a voar. Há quem se contente com pouco. Com nada. Há quem não tenha a coragem. Há quem se refugie. Pobres...

Escorreguei pela parede. Do tecto caíam gotas de vinho tinto. Batiam no chão e sujavam-me os pés descalços. A fazer lembrar o sangue que me secou nas veias. Escorrego. Sento. Sinto o frio do chão. Aponto para fora. Aponto para dentro. Somos todos uma cambada de egoístas. E egocêntricos. Vou encher-te o ego. Dizer-te coisas bonitas. Sussurrar-te o meu desejo. Detalhá-lo. Excitar-te tanto que ficarás dependente das minhas palavras. Que me procurarás para te preencheres. Que necessitarás de mim, das minhas palavras para sobreviveres. Para te sentires especial. Sentes? Sente. Sentes? Sente. Ainda que tudo o que eu digo seja... sentido. Ou foi. Sim, fui intensa. Demasiado intensa. Sim, comi-te, devorei-te. E agora resta-me esta azia agarrada aos ossos. Eu, a comilona. A devoradora. A insaciável. Traguei o mundo comigo nele. Um buraco negro.

Não me olhes. Eu sou assim. Volátil. Átomos. Perdoa-me.

Eu enviava-lhe mensagens dizendo-lhe o que pretendia. O que queria jantar. Como o queria vestido. Como ele devia estar posicionado quando ouvisse a chave na porta. Ofereci-lhe umas botas de mulher. Para que caminhasse de uma forma feminina. E um avental, para que se assemelhasse à Isabel, que nunca o usou. Depois. Depois ganhei-lhe amor. Afecto. E fui-o despindo. Tirei-lhe as botas e senti-lhe os pés masculinos. Despi-lhe o fato de criada e senti-lhe os músculos contraídos. De desejo. Por mim. Da ideia que tinha dos meus cabelos sobre o seu sexo. Enquanto o mamava. Perdia-me a mamá-lo. E perdia o meu sexo na sua boca. Oh gemo. Gemo. Eu que sempre quis ter dentes na cona. Para morder. Rasgar. Deixar em mim preenchido este buraco volumoso, profundo, escuro. Eu que consigo engolir, tragar, devorar pela cona. Não são obscenidades. São sentimentos. Vou engolir-te. Vais desaparecer. E eu vou ficar aqui gorda. Cheia. Obesa. Volumosa. Contigo dentro. Com dificuldade em andar. Em mover-me. Arranjarei quatro homens para que me levem deitada sobre a cama. E todos dirão Lá vai ela. Lá vai ela. A puta. A engolidora. A exacerbada. A doente. A comilona.

Estou em dieta. Ironia. E tenho falta de dentes. Ironia.

3 comentários:

  1. Some girls are bigger than others...And some girls mothers are bigger than others girls mothers!!

    J.C.

    ResponderEliminar
  2. O sublime está sempre muito próximo do sórdido. Tal é a diferença entre uma Madre Teresa e um Charles Manson. Não é tanto pelas tentações sofridas que uma civilização ou nós pobres pessoas devemos ser culpados. Mas sim celebrados pela sua superação. Aconselho vivamente "Crime e Castigo" de Dostoiévski. Só seremos verdadeiramente humanos se soubermos olhar o pequeno ou grande Raskólnikov dentro de nós, olhos nos olhos naturalmente. Da minh parte ainda tenho que encontrar uma Sófia.

    ResponderEliminar
  3. Penso que o melhor elogio que te posso dar é que nos teus textos encontro definições para coisas que nunca me lembrei defenir.

    Não são contos eróticos(pois falta um enredo, não são nús artisticos( pois falta a imagem,mas os textos são muitos bons a fazer lembrar o escritor Luiz Pacheco.

    Fiquei teu fã.

    (sonhador)

    ResponderEliminar