sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Uma ilha no pacífico


Wolfgang Eichler

Olha para aqui. Aqui. Neste buraco. Este aqui aos meus pés. Foi de onde saí. Agora. Há pouco. Não há muito tempo. Olha. Vê. Vês? É escuro. Sim, negro e húmido. Foi de onde saí. Onde estive. Escondida. Reclusa. Prisioneira. Com e sem vontade. Foi dali. Deste buraco. É escuro. Apercebi-me disso no dia em que ele elogiou o meu decote. Não o vi. Perguntei-lhe se o via. Disse-me que não. Que o sentia. Como aqueles dois no elevador. Sim, aqueles dois que formavam um casal. Ainda que ele tivesse amantes. E ela, ela talvez calasse os dela. Não sabemos. O filme acaba e ficamos sem saber. Mas vê. Debruça-te e vê. E cheira. Cheiras? É turvo. Sombrio e recôndito. É frio. É peixe, é talho. É cadáver e entrega. Foi daí. Daí que eu saí. Puseram-me lá dentro. Mas eu quis cair. Ai! Se quis! Ai! Como quis! Aqui é tão claro. Cego. Lá existe a música da água. Dos pingos. Da humidade. Do eco. De mim. Da minha voz. Do meu roçar. Do meu respirar. Lá tudo é... exageradamente exagerado. Até o sono. O sono pleno de sonhos. Um eterno sonho. Uma confusão de sono com sonhos. Muitos. Aos milhares. Todas as noites. Ou dias. É escuro. O sono que é rápido. O sono que é carcomido pelas dores e desconforto. O sono que não é descanso. É um sono cansado, estoirado, estranhamente acordado. Sim. Olha. Vês. Ali. Ali, naquele canto. Foi onde caí. Sangrei. Mas sangro todos os meses. O meu sangue sabe a ferro. Sabe a sexo. Sabe a fígado de frango. E levantei-me. É fundo. Sim, é fundo. Como muitos buracos. Meus. Meus. Fundos. Negros. Os da minha mente. Tenho buracos na testa. Arrancaram-me memórias. Deixaram-me esta corrente de ar. Agora que olhaste responde-me. Respondes? Responde-me se eu quereria lá voltar? Eu que quis cair. Eu que me levantei. Eu que me ergui. Eu que me queixei. Eu que me parti. Quereria eu lá voltar? Responde. Voltar para esperar? Para manter-me na espera? Esperar pela luz? Esperar pela mão? Esperar porquê? Há luz aqui. Muita. Demasiada para os meus olhos. Mas há. Há mãos aqui em cima. Demasiadas mãos que me atormentam e movimentam. Mas há. Há mãos. Seria pouco inteligente em querer lá voltar. Em querer fingir que te espero. Em querer fingir que espero sei lá o quê. Fica o buraco livre. Experimenta tu. Não? Ri-te. Eu também me rio. Sim. Somos todos especiais. Até. Até ao dia em que o deixamos de ser. Até ao dia em que somos todos igualmente iguais. Todos estupidamente iguais. Todos ridiculamente repetitivos. Todos. Tu e todos. Eu e todos. Todos.

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