sábado, 8 de agosto de 2009

pausa


Ricardo Vercesi

Vais viver para sempre. E eu. Eu também. Também viverei para sempre. Vês os meus pulsos? Estão coçados. Do uso. Da vida. Vês? Chupa-me os pulsos. Bebe-os. Bebe a minha pele desgastada. Somos assim sozinhos. Mas somos. Há quem não seja. Há quem só esteja. Somos assim espelhados. Somente aí. E aqui. Vê. Vê como tenho os pulsos. Em como estão inchados. E não te sentes. Quero-te a meu lado. De máscara de gás. Sim. Eu sei que gostas. Sim. Tu sabes que eu gosto. Vem. Não te sentes. O amor dá-o a quem necessite. Eu tenho os meus pulsos. Vê. Lambe-me os pulsos. Vou por creme na cara. E lápis nos olhos. Preto. Um risco grosso. Preto. E pinto os lábios. De castanho. Fica-me bem o castanho nos lábios. Um castanho pardo. E ponho rouge. Para que tenha as cores da Primavera. Beija-me os pulsos. Como são sensíveis os meus pulsos. A pele desgastada dos meus pulsos. As veias paradas dos meus pulsos. São meus. Sinto.

Debruço-me à varanda. Escuto. Oiço vozes. Vêm longe mas vêm em fúria. Vêm longe. Aproximam-se. As vozes que eu reconheço. As vozes que eu esqueci. Vêm ao meu encontro. E quem são? E não lembro. Tento. Tento. E que não lembro. Mas vêm iradas. Que me querem? Que me querem? Será que? Será que falhei em algum ponto? Em qual? Em tantos. Meu deus em tantos. Aquela voz. Xiu. Reconheço aquela voz. Algures aquela voz falou-me. Num tempo. Em que tempo? Que me disse? Que me disse aquela voz? E eu que não lembro. Socorro. Não lembro. Aproximam-se. Cuidado. Escondo-me? Onde me escondo? Quero fugir e o meu corpo aqui parado. As minhas mãos. Os meus braços. Onde tropeço. Tropeço parada... Sem um único movimento. Ai. Vêm zangados. Gritam. E eu que não lembro. Culpa. Que culpa... perdoem-me. Ajoelho-me? Peço perdão? Ajudem-me. Peço ajuda? E o corpo que não obedece. Este corpo parado. Mas... passam. As vozes passam. E continuam iradas. Mas quem são? Passam... Não me procuravam. Não pararam. Nada me queriam. Quem seriam? Mais um círculo de repetição? De uma culpa primordial que se quer fazer sentir? Senhor eu não sou nada.

E não sou eu. Não sou. Ou também sou. Sou também eu. Então? Decide-te? Sempre a negar. Sempre a dar um passo atrás. Sempre a afirmar para colocar em dúvida. Decidi-te. Está decidido. Não sou. Ou sou mais. Então? Bem. Sou isso mas também aquilo. Então, o que és? Vendo bem. Sou nada.

3 comentários:

  1. Bem-vinda a O Bar do Ossian.

    Abraço lusitano!

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  2. Obrigado. Veremos. Mantenho as minhas dúvidas se posso contribuir com algo interessante. Escrevo? Que escrevo? Sobre? Mas eu só consigo escrever se... e se não for contextualizado? E se? Escrevo? Que escrevo? Apago. Escrevo. Ai. Será?...
    :)

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