domingo, 9 de agosto de 2009

Cinema


Manuel Alvarez Bravo

Mantém-te nessa posição. Assim. Baixa os braços. Assim. Isso. Fecha os olhos. Isso. Descontrai. Não vai doer. Garanto. Saberá a beijo. A beijo de línguas. De línguas húmidas dançantes. Grandes demais para permanecerem na boca. Inchadas. Em jogos. Em danças. Num bailado de saliva. Descontrai. Duas línguas que se tocam e criam o desejo de nos comermos pela boca. Descontrai. Vou colocar outra música. Esta é música de crueza. E eu quero-te morto. Embalar-te na morte. E trazer-te de volta à vida. Penso nela. Ela... Ela tem uma fixação com a morte. E eu julgava-me diferente. Até hoje julgava-me diferente. Que eu não. Mas olhando no passado verifico simulações. Tentativas de a sentir. Vontades. Quentes. Desejos. De deixar de sentir. De deixar de ser. É libertador. Suspiro. Descontrai. O desmaio do breath play... que tesão. O voltar. Em humidade. Em névoa. Xiu... Calma. Tens uma cicatriz no peito. Em forma de escaravelho. És sagrado? Conspurco-te? Para onde me levas?

Vi-me agora no espelho. Estou com cara de personagem do Antonioni. Cabelo pendente para a frente. Despenteada. Num desassossego. Mulheres em conflito. Que se debatem com elas e com o mundo. E pressinto as baratas na mesa. Il deserto Rosso... Um barulho infernal. Que barulho. Ruído que não pára. Quando acaba é um alívio e sentimos que estivémos doentes. Acamados. Delirando. Gosto de pensar na névoa. As relações pessoais. O médico e o paciente. Da co-dependência. De como necessitam um do outro. Em como o que é doente necessita do tratador. Em como o tratador não existe sem o doente. Aparentemente o frágil é um deles. Mas sorrio sempre na obtenção da resposta. Ou choro. Ou... excito-me.

Há uma cena que não me sai da cabeça. Em como eles copulavam a rir. Ela encavalitada nele rindo. Falando da família. Falando de outros. De como as crianças estavam indo na escola. Em como o Alexander estava ficando rebelde. Na avó. E nas mulheres. E tudo aquilo eu sentia como felicidade. Como intimidade. Como união. Cavalgo-te e falo na roupa que tenho para estender. E no que vamos jantar. Apoio-me nas tuas mãos e faço a lista de compras. Ergo-me nas pernas e enterro-me enquanto me contas a viagem do tua irmã. Com humor. Rindo. Os suecos tem um pouco de sangue italiano.

A minha sobrinha é como eu. Precisa de pessoas.

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