terça-feira, 11 de agosto de 2009

Avalanches


Otto Dix

Vamos dançar. Vamos tu e eu. E ele. Levamo-la a ela. Para a sala suja de pó com fundo vermelho de cortinas de veludo. Vamos agitar-nos no ritmo dos corpos a nosso lado. Manear as ancas. Agitar. Agitar. Mover-nos em onda. Secar as bocas dos beijos. E do desejo. Esquecer que um dia fomos concebidos nesta solidão intocável. Neste querer sem satisfação. Nesta procura febril. Vamos. Tu, eu, ele, ela, nós, e quem mais queira. Porque há sempre espaço. Espaço a receber. A estar. A adaptar. Vamos dançar. Olhar nos corpos a nosso lado. Revermo-nos nos corpos a nosso lado. Em proibição. Escondidos. Deliciosamente ocultos. Vem. Vamos dançar. Trocar de cigarros entre bocas. E goles de frescura na garganta. Vem. anda. Venham. Vamos dançar.

Há sinais nos dias. Sinais que me apontam. Que me seguem e perseguem. Sinais que me dizem. E me indicam. Fecho os olhos. Encerro-me em concha. Que fazer? Onde ir? Eu que aprendi a perder-me. E a encontrar-me. Em lágrimas. Lágrimas e risos. Em chorrisos. Eu que tenho o poder de chorar no prazer. E gargalhar. Rir de felicidade. De grande. Chorar pela angústia de tudo aquilo. De como é possível? A angústia de encontrar. Da possibilidade. Nestes ontens de impossibilidades.

- Se te deixo tu vais.
- Sim, irei.
- Não sei. Não sei o que fazer.
- ...
- Deixas-me sem saber o que fazer. Temo.
- Por nós?
- Por ti. És... de uma intensidade viciante...
- Desculpa.
- Não... Vai. E volta. Volta para me contares.
- Sim. Como sempre. Como preciso.

Tocaram-me. Tocaste-me. Tocas-me. Tocam-me. Volto-me. Olho. Vejo-te. Sorrio. Dou a mão. E parece que nada aconteceu até hoje. Parece que este período não existiu. E que sempre aqui estivemos. Juntos. Em harmonia. Mas é mentira. Mentira. Uma ilusão. O nó desatou-se. E perdidamente tentamos segurar nas pontas. Sabes o que fazer? Eu não. Não sei se pouse a corda. Se me enforque com ela. Se a enrole no pulso. Se tento enlaçar o primeiro que passe. Se me sodomizo com ela. Sabes o que fazer com ela? Eu não. É uma ponta. A pobre de uma ponta. A inutilidade nas minhas mãos.

Eu gostava de ter algo a transmitir. De ser mais que este vazio. Este vazio que se apoderou de mim. Este vazio que cresceu. Que me consumiu. Eu gostava. Mas tenho de aguardar. Aguardar que o silêncio se sinta. Que os meus ossos se descolem da carne e caiam. Aguardar e aceitar. Aceitar novamente este silêncio. Este silêncio que se apodera de mim. Sempre. Sempre que existe uma impossibilidade de sentir. Sempre que o cigarro apaga. Ele tinha receio desta angústia. Eu aceito-a. É primordial. E não me recusa o gatinhar. Nem o vestir-me de outra. Pôr uma peruca e ser loira. Uma cabra de uma loira. Porque eu gosto de cabras. E de bibliotecárias. Eu pedi-lhe para irmos devagarinho. Ele disse que tínhamos tempo. Que iríamos com calma. Mas matou-me à primeira. Escolheu matar-me assim que me viu. Esventrar-me. Degolar-me. Somos uns incapazes. Não existe em nós o equilíbrio dos pêndulos. Rebentámos com as rochas e agora... corremos.

2 comentários:

  1. rebentamos com as cordas e esventramo-nos sempre. como tem sempre de ser para que possamos atingir o cume dos nossos corpos. e aprender a alegria passando pela dor.

    um grande abraço
    jorge vicente

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  2. Quem escreve assim decerto nao está vazia. Sei que a puta da literatura tanto consola como adia a dor. Mas há sinais de vida. O tempo, sempre o tempo não é verdade? Promessa traída ou nunca cumprida. Mas estás viva. Mesmo que o corpo de palavras substitua de momento, o corpo só

    Fernando

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