domingo, 2 de agosto de 2009

liberdades


Paula Rosa


Que horas são? Diz-me as horas. Diz-me se são horas de vires. De vires ao meu encontro. Ou se são horas de partir. De partires. De eu partir. De virarmos as costas. De morrer em nós este desejo. Porque morrerá. Se consumado. Morre. Morre. Morrer pelo corpo. Vou falar-te dele. De como o amo. Ou amei. Ou me iludi. De como adorei a ideia do amor por ele. De como gostei da ideia do amor por ele. Tenho de escrever rápido. De ser rápida. Não estou sozinha. E eles falam. Conversam. Não me deixam escrever. Concentrar. Vou falar-te dele. Do poço de afecto que ele tem na filha. E de como a esse poço não há afecto que escape. Em como não sobra. Sobra apenas uma boca. E um caralho. Sobre o corpo. E nas asas. Nas asas...

As janelas estão abertas. Mas fecharei a porta. Interessante. Sabes, ele queria-me. Queria-me para poder realizar as fantasias que tinha. As que não tinha tido coragem de realizar. Ter-me a seu lado para poder ter coragem de... deixando-me depois ali largada. Sozinha. Eu sei. Culpa minha. Responsabilidade minha. Vibro muito. Sou incapaz de me calar. De deixar de me exprimir. De dizer o que me dá tusa. Porque eu vou. Tu sabes que eu vou. E faço. Sozinha ou não. Vou. E ele sabe. Sabe que eu vou. E ele sozinho não vai. Nunca foi. Não irá. Porque eu nada tenho a perder e os meus medos são outros. Mas tudo bem. Não foi somente ele. Foi o outro. E o outro. E o outro. Porque nas relações de afecto deixamos de ir às prostitutas. Deixamos de nos vestir e calçar saltos altos. Deixamos de fazer orgias. Deixamos os butt plugs apodrecerem. Porque deixamos de seduzir. Sim, sou a puta-mor. E como todos os ladrões todas as putas se querem sós. Pois seja. Rio. Rio-me. E choro. E sem vergonha. Sem culpa. É. É. Ponto final. Viverei se quiser. O que quiser. E entro e saio do carrossel. Não me prendo. Não me prenderei. Afinal existe também a montanha russa e o algodão doce. E um banco de jardim onde descansar as pernas. Sinto-me feliz. A angústia está cá. Sim. Sinto-a. Mas a felicidade também. Sinto-me rica. Ainda que muitas vezes em círculos. Sinto-me corajosa. Ainda que adie. E abro as pernas e masturbo-me. Venho-me em todos vós. Ejaculo em todos vós. Gemo alto em todos vós. De mim terão apenas este barulho irritante de Ais e Uis. Altos. Altos. De mim terão apenas esta pele. Porque é somente isso que posso dar a quem não sabe receber mais. Mas por agora não. Por agora recolho-me nesta toca e mando vir. Mandarei vir homens que se ajoelhem a meus pés e me lambam. Serviçais. Bonitos. Tímidos. Existe sempre a esperança. Em mim. A miserável. A desgraçada. A viva. E isto escrevi há uns tempos. Uma largada. Uma raiva. Que já não tenho. Que já não sinto. Foi há uns tempos. Agora basto-me. Aqui. Foi há uns tempos. Quando a música era intensa.

Troca de boneco comigo. Troca de sapatos. Troca de baton. Troca de seringa. Troca de carro.

5 comentários:

  1. A tua escrita pode ser facilmente usada em teatro. Gosto muito.

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  2. Eu gosto é de "relacoes de afecto". Beijos do Silver Man.

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  3. Existem relações profissionais. Relações de uso. Relações de poder. Relações de cheddar. Relações de emmental. Relações de pão para panar.

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  4. A profissao e o poder sao meios para o que interessa: o Cheddar e o Emmental. (Jaime Marx)

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