quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Naperon


Ivan Pinkava

Foi numa capela. Uma pequena capela no campo. Numa colina seca. De terra clara e áspera. De sol amarelo quase branco que nascia a Oeste e se punha a Sul. Foi ali que a encontraram. Entre os escombros da capela. Entre pedras e pó. Fragmentos de frescos com bocas abertas em gritos. Parece que alguém tinha sido torturado. Que alguém tinha sofrido os horrores de ser diferente. De ter fé ou não ter. Não sei. Sei que ela tinha a cabeça rapada. Que vestia de preto e o corpo estava coberto de beijos milenares. Inicialmente estranharam-na. Uma santa careca. Vestida de negro e calças justas. Há quem diga que parece látex. Os locais riem-se pois a santa tem mais de quinhentos anos. Mas parece. Ou parecia. Começou a fazer milagres no dia em que a encontraram. Contam que de dia irradiava luz branca e há noite luz negra azulada. Que tocar-lhe na cabeça era assustadoramente luxurioso. As pessoas sentiam... não se sabe. Umas falavam em prazer, outras em amor. Houve quem após o toque se desfizesse em suor. Nunca teve nome. Chamavam-lhe a santa careca. Iluminava toda a parte Norte da capela.

Especial. Tu és especial. Tu és... uma puta literada. Choro ou rio? Sim, foi isso. Orgulho ou vergonha? Riso. Somente riso. Especial... Aprisionamo-nos nas palavras. Na imagem construída pelas palavras. Um golpe de revolta. Um deixar de escrever. Mas não consigo. Existe uma indisponibilidade nas pessoas. Uma vida. Paralela à minha. Que não toca. Ainda que queiram. Que se movimenta paralelamente à minha. Somos circunferências com centro no infinito. Ontem construí uma história. Deitada no sofá. Hoje desconstruo. A música era diferente e a minha mente estava pausada na almofada colorida. Existe uma verdade e sinceridade nele. Ainda que seja aquilo. Só aquilo. Ainda que queira aquilo. Só aquilo. Aliás, isto. Só isto. Três buracos. Ser reduzida a três buracos. É matar-me. É anular-me. É deixar de existir. O eu. O ser pensante. Que se lixem os meus olhos. E as minhas mãos. Três buracos.

Existe um homem que de mês a mês fala-me em... em amor. Em amor, Senhores. Uma vez por mês. Vou propor-lhe uma hora para que falemos de amor. Um dia e uma hora. Estou em dúvida se será melhor falar de amor à noite ou de manhã. Antes ou depois de jantar? E se o jantar for indigesto? Se tiver pimentos ou melão?
Mas ele diz-se especial. Pois fala-me de amor. Uma vez por mês.

Perdi-me. Eu queria falar-vos numa puta de uma santa careca. Perdi-me. Que se foda a puta da santa. Afinal era uma puta. Uma puta vestida de latex que viajou no tempo. Uma puta de cabeça rapada. Foi violada e torturada. Dilacerada e cuspida. Deixada em sangue. Esventrada. A pele esfolada. Bem feito. Quem a manda querer foder homens da idade média? Que raio de ideias têm as putas...

Sem comentários:

Enviar um comentário