sábado, 1 de agosto de 2009

putas comunistas


Rui Effe

Fêmea. Macho. Par. Fêma. Fêmea. Par. Um par de sapatos debaixo da cama. Sabes quem sou? Sim, sei que sabes. Ou calculas. Calculas que sabes. E eu afirmo. Afirmo que o galo é o dono dos ovos. Existe uma viola. E uma voz. No fundo. No fundo dos teus olhos. Esta tarde sonhei que me apaixonava. E depois tive vontade de urinar. Acordei. Fazia xixi sentada, apoiada nas pernas. E ele escorria e molhava-me as pernas, as cuecas, a saia. Enquanto o fazia pensava no João. Nesse homem longíquo. No que foi meu companheiro quando era miúda. Quando a minha boca era fresca e sã. Quando tinha dentes e sorria ao olhar nas minhas mãos. João. O João do entorpecimento. Porque é nome de gato. E nome de gente. O João que se chamava Joáu para os amigos. Para quem falava castelhano. O que voou comigo. E ficou. Eu vim. E voltei. O pai dos 3 filhos. O ex-marido de 3 mulheres. De muitas mais. De mim também que com ele nunca casei. Homem vaidoso o João. Como todos os Joões? Não sei. Conheço apenas alguns. A ti. E a ti. Homem com porte o João. Não tu. O meu João. O que vindimava deitado. E adormecia a conduzir. Tinha mãos. E boca. E no início suávamos muito. O João que me levava ao ginásio onde me sentava a fumar cigarros com um livro na mão. E à piscina onde me punha vestida à sombra a fumar cigarros e de livro na mão. Ele saltava. E corria. E levantava as pernas. Eu olhava e sorria. Sentada. Empurrávamos a 4L de manhã. E caíamos na lama. Mas sempre nos levantámos. Ainda que existisse uma alergia em nós. Ao trabalho. E à roupa lavada. E andámos de barco. E dormimos em tendas e em quartos. Em escondidinhos de Intendente. Em colchões sem lençóis. Em mesinhas de cabeceira partidas. De gavetas inarráveis. Não, não conto. Não contarei. Prefiro romancear que emporcalhar. Mentirosa. Mentirosa eu. Tenho uma mala em forma de bota, de cor rosa, pendurada na parede. Está a ficar amarela. Pergunto-me onde fui buscar tanta coisa? Como enchi eu esta casa de trastes e objectos? Como me apeguei eu a tudo isto? Eu que sempre viajei de mala de mão. Que nunca tive muitos pares de meias. Que me basto com um garfo e uma faca. A mão serve de colher. Ou um copo. Eu que atei o cabelo no topo da cabeça com cuecas. Por não ter elástico. Porque também dava. E deu. Uma. Duas. Várias vezes. Eu que dou o que me dão. Que ainda que seja caro e bom dou. Porque não quero. Porque não necessito. E lembras daquela noite em que a estrada estava negra? E era longe. parecia tão longe o nosso ninho. E dormíamos. Na estrada. Calados. Eu lembro. E foi uma noite banal. Porque me lembro? Porque me lembro eu daquela estrada? E daquela noite? Amanhã vou vê-los. Aos dois. Aos quatro. Aos seis. Perder-me nas conversas. Eu que tenho tão pouco a dizer. Ou sinto. Eu que me apetecia perder a voz. Ficar somente com estes dedos. Não ter de dizer, Sim, Não, amanhã, Ontem, Talvez, Vou. Sem voz. Talvez na quarta. Talvez na quarta eu fique sem fala. E sem respiração. Vou aprender a fazer a fotossíntese. A minha máquina da roupa apita quando termina. É um apito agradável. Melodioso. Por vezes penso que poderia cantar. Ou chamar por mim. A minha impressora também fala. Diz que a impressão terminou. Tem sotaque brasileiro a minha impressora. Os meus vizinhos conversam. E discutem na rua. E partem vidros. E os do lado imitam-nos. Todos eles falam. Todos eles gritam. E agora a Etelvina. Eu que sou malcriada. Sim, simpatizo com a Etelvina. Tenho-lhe o amor que tenho a mim. Etelvina e eu. Se me calar ninguém notará. Há sempre quem fale. Se me calar. Se me silenciar. Se cerrar a boca. Há sempre alguém que fala.

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