terça-feira, 18 de agosto de 2009

Cérbera


Namio Harukawa

Café. Um amor e café. De manhã existe amor e café em mim. Um sono despenteado no corpo. Um ardor entre pernas. Um cigarro por fumar. Na frente, dias preenchidos. Dias com luz. Noites com prazer. Dias de flashs. De fotografias de recorte. De resumos de custos. Noites de saltos altos. De sapatos de verniz preto. De rabos empinados. De mãos na prateleira. Sopros no meu corpo. Sou feliz. Porque te espeto o meu rabo. Sou feliz. Porque te engulo entre as pernas.

Quando te conheci desconhecia o que me irias revelar. Quando te conheci o teu entusiasmo pela vida era semelhante ao meu. No final tocávamo-nos. No caminho podíamos dançar. Tinhas uns seios maravilhosos. E tens. Penso neles. Quando penso em beleza penso neles. Mamilos circularmente redondos. De encher. Encher. Encher covas de tecido. De perder. Perder-me. O olhar no teu corpo. No corpo que tentei conhecer. Pequeno. Mãos de dedos delineados. De perder. E perder-me. Recordo a tua expressão. De Ai e Ui. De querer. E correr. A expressão de urina sobre a cara. A expressão de nós crianças brincando ao não suposto.

Traz-me um homem que me ame os pés. E outro que me beije a boca.

À noite dançaste com ele. Eu sorria. Nas vossas voltas. E ancas. Rodopiaste com ele. Eu sorri. Nas mãos dele em ti. Na tua cara de criança bêbada. Que ternura. Existe uma carícia nos vossos corpos que sinto daqui. Que me chega daí a mim. Que me treme. Que me movimenta e faz levantar. E a beleza invade. Invade-nos e deixa-nos imóveis perante o cansaço. Os teus homens. Os teus taxistas. E drogados. Os teus mitras, vigaristas, ladrões, apaixonados. Os teus bailarinos e travestis. Tu que os vestes e despes de saias. Que depilas os pelos que eles não querem. Que ocultas barbas em faces morenas. Que dormes no meu sofá agarrada a homens assexuados. A putas. Que putas. O impulso. O impulso de mergulhares. E quem te segue perde-te nas profundezas porque tu sabes nadar. Porque em ti tudo são braços e pernas. Até à baralhação dos órgãos.

Um dia vou escrever-te. Vou revelar-te. Vou mostrar-te. Por agora deixa-me ficar a ver-te. A gozar-te. O jantar arrefece sobre a mesa mas tu virás. Vens sempre. Comes frio. Comes quente. Vens sempre. E chegas carregada. Partes de fugida. E voltas. Bebo café. Bebo as sopas que me deste. Até ao enjoo. Vende-me. Leiloa-me. E fica com o dinheiro. Embebeda-te com ele. Compra vinho, compra whisky, compra vodka. Compra amendoins e tremoços. Paga copos e rodadas. Vende-me. Vende-me pelo valor mais alto. Apanha um táxi e vai dançar. Vai esfregar o corpo contra promíscuos. Vai dar a mão a pernas peludas. Quando voltares roubas-me em gargalhada embriagada. Quando voltares eu terei aquela minha cara de gente. Quando derem por isso já não têm nada. És uma ladra.

4 comentários:

  1. Escreves muito bem.

    Por estranho que possa parecer, não tenho muito talento para o erótico, cada vez que abordei a temática fiquei sempre pelo conciso (chama-se a isso sarcasmo), ou evaporei-me para além do corpo (suponho que a isto se chamará soberba em relação ao mundo).

    Tem um bom dia.

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  2. Tenho o sonho de um dia ter condições para dirigir uma peça (um dos senhores que me inspirou à arte no inicio da adolescência foi Samuel Beckett).

    Alguns dos meus melhores escritos foram feitos para esse fim, e assemelham-se muito mais ao que escreves aqui do que ao que me tens visto escrever nestes tempos. Nunca consegui nem equipa nem cenário que satisfizesse os meus requesitos.

    Com a Abismo Humano - Associação de Artes, já consegui trazer uma peça de um senhor australiano, sobre o paganismo nórdico, em que ajudei.

    E com outras gentes consegui algumas coisas em espaços abandonados, com convidados específicos - mas agora já tudo muito sarcástico, diria mesmo ofensivo.

    Se eu neste momento pudesse proporcionar as condições certas podes ter a certeza que te pedia que escrevesses belos monólogos, como tão bem o sabes fazer, e os levava ao teatro.

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  3. Saudosas leituras de São Genet :)

    Fernando

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  4. Obrigada, sinto-me sempre lisonjeada quando escreves sobre mim e orgulhosa de ti..Adoro-te hoje e sempre!

    Catarina

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