sábado, 28 de novembro de 2009

O Optimismo da moca


Self portrait 3 - Albano Ruela



Existem gestos maquinais. O tirar as embalagens. O  pão integral alemão com sabor a cerveja. O frio da porta que se abre. E tudo se faz maquinalmente. Como se soubesse que tem de ser assim. Como se soubéssemos. O ler a mensagem. Uma leitura. Sim. Manda-me mensagens. Tu que julgas conhecer-me. Ou não.

Vou inspirar-me.

Guardo uma foto. Guardo-a porque me diz muito. Para um gesto de perfeição. Que não existe. Que nunca existirá porque em mim não há perfeição. Somente a sua procura. Ou o seu oposto. A procura do seu oposto. Degradação... Rebeldia? Guardo-a porque perante ela silencio-me. E tem poder sobre mim quem me silencia desta forma. Eu mulher de silêncios. E comunicações. Orais. Corporais. Fluídas. De fluídos. Eu mulher de partilha tenho silêncios invasores e perturbantes. É o passado que constrói. E o presente. Fruto.

Um relógio e dos meus olhos escorrem lágrimas. Como numa despedida. Obrigado mãe. Obrigado porque tenho de ti os dois objectos que mais me fazem lembrar-te. O relógio e o cadeirão. E perdoa-me. Perdoa-me este sentir. As pessoas. Envolvem-nos. São o melhor e o pior do mundo. Beber olhando nas suas fotografias e sentir quão absurda e ingrata é a nossa vida. De encontros. Felicidades. Momentâneas. E no entanto  abrangendo tudo isto, o amor. Obrigado mãe.

Eu sou a filha pródiga. O ter visto e passeado pelo mundo deu-me uma leveza que as minhas irmãs não tem. Mas em séria preocupação. Eu sou leviana. Existe uma aceitação em mim que exaspera. E desespera. Eu não aprecio surrealismo. Prefiro o realismo. E o neo-realismo.

Um dia se voltar lá... fico lá. Morro lá. Viverei segundo as leis da rua. E da vida. O meu pai deixará de me falar. E a minha mãe morre. Lentamente.



Há um copo de leite. Cheio de vinho branco intragável. E duas pessoas tentam pisar um risco amarelo grosso traçado no chão preto cor de ardósia. Em alcatrão para ferir os joelhos. E é na gravilha que todos caímos. Espetados com o queixo entre as pedras. Feridos. Hirtos. 


- Vais pisar?
- Vou. Que queres que eu faça? Se...
- Mas... Sim. Eu sei. Mas... e se de repente aparece...
- Desvio-me. Ou mando-me e termino de uma vez por todas com isto.
- Vou sentir saudades.
- Fazes café. E lembras de como dormia com os lençóis a taparem-me a cara.
- Chorarei.
- Sim. Chorarás. Eu sei. 
- Porque a morte te fascina assim tanto?
- Porque a vida é... completa.
- É? Não sinto. Às vezes... às vezes sinto-te tão longe. Tão longe de tudo. De mim. De nós. De ti mesma.
- Vem lá. Piso!
- Não!
- Piso...
Ouve-se um ruído. Metálico. Os travões do metropolitano que pára, travando. As portas abrem. De dentro saem pessoas. De olhar em... na frente. Em baixo. Onde olham? De onde vêm? Para onde vão? De dentro saem máquinas. De olhar em frente. Em outros que não nós. Nunca nós. Saem e vão. 
- Entremos.

2 comentários:

  1. Há passos que não darei. Mesmo que o corpo mos ordene. Há passos que não darei. A morte agachou-se ao pé de mim. Fiquei a olhar para a cama de hospital. A Isabel foi vomitar à casa de banho. A morte apontou para o mostrador do seu relógio dourado de pulso. Apanhei o autocarro. Tenho a certeza que ela o mandou esperar que eu saísse. O autocarro arrancou e o telemóvel começou a vibrar.

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  2. Com estes gestos foges à rotina...



    Bjs.

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