domingo, 15 de novembro de 2009

gabardines azuis


Nina Glaser

Silencia-te. E olha-me. Não precisas. Não precisas de falar. De me dizeres que nestas noites te apetece correr mundo e fugir dos dias castanhos. Olha-me. Sorrio-te. Entendimento. Identificação.


Olho nelas. A pequena é quem manda. Quem coordena todas as outras. As penas são lustrosas. De um castanho creme brilhante. Quando passa, a outras afastam-se e dão-lhe passagem. Debica o milho com a assertividade de um tigre na selva. Chamo-lhe de Laura. Laura porque a minha avó se chamava de Laura e era assim meio bege, meio loura. E tinha nariz de galinha chinesa. Como o da minha irmã. Gavionas. E belas. De testa grande. Larga. Até às orelhas pequenas. Tão pequenas que nos rimos todos. Mas tu ouves?


Nesta minha capoeira só há um galo. De mês a mês é abatido. Ensanguentado para bem da comunidade. E das minhas manhãs de milho e ervas. Eu que sempre adorei galinhas e julgava que elas punham muitos ovos ao dia. Cuspo. A Idalina come o meu cuspo cor de cola. A Idalina é preta. Ou semi-preta. Tem olhos tristes. A Idalina. E boca de lampreia. Uma galinha com boca de peixe. É assustadiça. Por isso gosto dela e a protejo. Vinde a mim os fracos que eu tenho missões na vida.


Olha-me nos pés. Nos pés nus que pisam caca de galinha. Estão apodrecendo com as ervas e flores amarelas que trouxe quando aqui me sentei. Neste galinheiro imundo com cheiro a palha seca e a fezes. As sementes germinam. E eu neste calor de cola perco-me observando estas senhoras. Loiras. Morenas. Ruivas. Poedeiras. Galiformes. Fasianídeas. Olho. Nestas aves que não sabem voar. Nem aprendem. Nem querem. Nem pensam nisso. Debicam. Debicam o que lhes dou. Conto-lhes uma história. Com intervalos curtos. Dou-lhes a ouvir a Marianne que é linda. E danço. Bamboleio-me de encontro à rede.


Visita-nos a Carmen. De peito inchado e carnudo. Ri-se de mim. E de nós. A Carmen que só quer amor na vida. E fondues de chamas que só se apagam com sopros coloridos de vinho. Ah Carmen se fossemos meninas ganhavas-me na macaca. Como me ganhas na kizomba e no altar com bacias de água benta. Os gatos. As galinhas. E os leitões que colocas dentro dos bolsos dos casacos. Tu de mamas mãe. Eu de coração grande para te beijar. E adorar. És mãe. Parece que foste mãe outra vez. Desinteresso-me. Olho na Idalina. E na Carminda cor de barco velho na praia. Feliz a Carminda. Que se passeia e encontra o que as outras não viram. Ainda que procurassem. Existem atracções. E a Carminda atrai o que se esconde. O oculto. Distraidamente uma puta com sorte.


Há uma alfândega aos meus pés.

1 comentário: