segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Black Demon



Nina Glaser


Caem-me as penas. São as folhas. Como as folhas. Voam ao mar. E sobem neste corrupio de cabelos e cachos encaracolados de algo que já foi meu. Sentes o meu cheiro a baunilha? Foi de pêssego e tâmara que fui feita. Que dizes? Não sei. Mas sei que todas as noites penso em dó e ré. Em mi e fá. Penso em cânticos e encantos. Sem dor. Nem pudor. O meu corpo é teu. O corpo que tu queres torturar. Nas horas e horas de passagem. Lembras como foi a viagem? E em como adormeceste sobre o meu colo enfarinhado de suor e ressacas? Foi há uma vida. Há um século de teimosia entre nós. Que se foda dizes tu. Que me foda digo eu. E fodo. Não sentes. Mas eu sinto. Tenho a cona ardente. Xiu.


Andas descalço. De pés ensanguentados. Doente. Com fome. Miserável. Dás-me dó. Ajudo-te. Dás-me dó. Dou-te uma nota. Dinheiro. Toma. Não. Já, já não. Quero foder-te. Sim, eu mulher limpa, imaculadamente promíscua, cheirosa, com casa, e roupa, e unhas arranjadas, quero foder-te. E vou foder-te. Pago-te. Pago-te para te foder. Para me baixar e enterrar em ti e nesse teu membro sujo e malcheiroso. Não tenhas medo. Apenas vou foder-te. Vais arfar. E gritar. Eles que se fodam. Sim, eles que se choquem. Ou excitem. Que se fodam. Eu já nada tenho a perder. Não é uma questão de imagem. É uma questão de... ser. Ou não ser. E sou. Que se foda. Sou.

Deita-te na pedra fria porque está fria. Cheiras mal. Muito mal. Adoro-te. Fazes-me pena. Sempre que te dei dinheiro culpei-me. Porque é fácil dar-te dinheiro. Ainda que me faça falta. Dou e fujo. Dou e choro. Dou. Dou e culpo-me de dar. De comprar a minha paz com cinco euros. Com vinte euros. Perdoa-me. Perdoa-me mas eu nada posso. Nada posso contra este movimento de pele e carne que me consome. Contra este trânsito que aflui entre as minhas pernas. Pia. Poderia ser pia. Escolhi ser puta. É-me mais fácil. E existe o riso. Ainda que o silêncio do chicote seja em mim uma névoa. Já te falei nesta névoa? Não. Sei que não. Apenas chorei junto aos teus pés. Aos que trazias ensanguentados. Aos que da última vez vi dentro de um par de ténis. Um alívio, sabes? Que alívio eu senti. Por te saber bem calçado. Mas agora chupo-te. Chupo-te para que sejas feliz. Uma única vez na vida serás feliz. Inteiramente feliz. Porque eu assim quero e assim tenho certeza. Arrogante. Sim. Valoriza o que eu quero enquanto te chupo. Estás no céu. Ou no Inferno. Onde queiras. E eu sou tua. A tua mulher. Numa cama confortável. Quente. Aninhados.

Tens sapatos mil. E roupa. Amanhã viajas. Atravessas o Atlântico e vais à praia dançar com baianas ou índias. Pagas. Tiras do bolso e pagas. E eu sorrio. Daqui. Deste lado do mar sorrio-te. Quero-te. Quero-te tanto bem que me enterro em ti. Enterro para que te possa matar. Não tenhas medo. Afinal a vida é esta e isto. Sentes o quente? O quente das minhas entranhas. É uma vertigem. É. Sou. És. Isso. Cavalga. Pobre mendigo. Tens fome? Pois come. Come-me.

Estás quase? Sim, eu sinto. Quase. Quase. Não pares. Quase. Quase. Sim. O paraíso feito mulher, e pernas, e membros, e braços, e mãos, e lábios, e... e tudo. Sim. Isso.

Tuf tuf

O silêncio de uma vida. O ruído de uma arma.


Tuf tuf


Descansa. Estás no paraíso.

Sem comentários:

Enviar um comentário