quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

GLS


HiroshiWatanabe -Yuka Onozawa & Ikki Tada - Matsuo Kabuki

Há uma necessidade de mudança em mim. De limpar o pó das estantes e encostá-las às paredes. De dar outra cor aos móveis. De tirar o cotão dos fios enrolados a meus pés. Mas antes disso deixa-me contar-te esta história de amor. De uma paixão surgida em noite que se fez dia. E em dia que era noite. Numa vertigem acabada numa casa quente com lençóis sempre sujos de lama e suor. Ao que parece ele desdenhava de paixões. Insegurança? Não sabemos. Sabes? Não sei. Parece que considerava tudo isso uma lamechice do pior. Ela? Ela aparentava ser feliz na solidão. Era? Não sabemos. Mas tentava. Sim, tentava. Ao que parece tentava.
 
- E aqui estamos nós olhando um no outro, demorada e silenciosamente, como se não existisse nada melhor.
- E há?
 
Há roupa espalhada pela casa. Um bafo quente a fumo. A corpos. A whisky e manchas de urina no sofá. Roncos. Gemeres. É madrugada. Dizem. Ouviram dizer. Mas tiram-se fotografias com rebocadores e dão-se beijos em seios nus de camisolas cinzentas. Numa curva. Porque tudo acontece sempre numa curva. No começo. E no final. Curva-se para que sintamos. Há esboçar de alegria espontânea. De contentamento e angústia. Felizes porque se têm. Temem e tremem. E eu gostaria de ser ela. E sou. E gostaria de ser ele. E sou. E nas promessas de banho ela entre sempre sozinha na banheira. Acorda cedo. Aprendeu a ouvi-lo ao longe. A visualizar-lhe as pernas compridas. A querer os dedos dele nela. Um desejo. Ele que aprendeu rápido a manejar clítoris e seios.
 
- Gostas de mim ainda vendo que sou também assim?
Silêncio. Mudo. Silêncio.
 
Estranho. Não há vontade em concretizar. Em matar. Em esgotar. Não há pénis nem vaginas que o permitam. Nem membros suficientes que o expressem. Não há nada a não ser dois olhos em outros dois olhos. E uma comunhão assustadora. Completa. Terrível. Ele que procurava tarefas. Ela que deixara de procurar. Numa sala de luzes intermitentes. Ele está ao longe. De camisa preta. Há dois olhos pousados nele. E um orgulho em ser daquele sorriso. E uma procura em desfazer-lhe o corpo aos estalos. Na incapacidade de entrar pele adentro. De desfazer o corpo encontrando outro para que se reveja. E veja. E o veja. E sinta as expressões que perde quando se perde. Porque quando nos perdemos fechamos os olhos e deixamos de ver os outros olhos.
 
- Sinto-me vivo.
- Morro.

1 comentário:

  1. Continua fantástica. Beijo gigante como essa Alma. Bom Ano Novo.

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