quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Quinta do Rei


Manuel Alvarez Bravo

Existiu um olhar. Breve? Não lembro. Mas sei que existiu. Um segredo contado com dedos de pés descalços. Uma manta de beijos sobre a minha pele. A tua. A que me clamava. Eu que te via alto e criança. Depois as nossas bocas oralizaram. E revelaram-se de dentes e línguas teimosamente irmãs. Uma descoberta. Foste. És. Uma descoberta. Foste. És. Um desejo. Um desejo que dou por mim a alimentar como se fosse menina.

Existe um acto. O de me lavares as mãos. E o corpo. E a mente com vinho tinto. Um acto que quero até ao entardecer dos nossos corpos. Uma poesia. Um bocejo. Uma vontade de te matar nos meus braços. Ou entre as minhas pernas. Ao sufoco. Agora. Já. Aqui.

Chove lá dentro. Abraça-me.

Há uma criança que trata os pais pelo nome. Que fala sobre os raios de sol como se fossem físicos. Materiais. Lembro-me dela. E de mim. Comer papo-secos ao sol de Dezembro. Camisolas de lã verde e branca. Gatos no peito e nos beirais. As flores e as amoras. Beijo a minha irmã. A do sinal no queixo.

É Alvarinho? Fresco. Neste aguardar por umas pernas que se torçam nas minhas.

Fodo-te.

Minto. Minto a quem quero. Bem. Quero bem. Muito bem. demasiado bem. Minto sabendo que minto. Minto porque o meu corpo quer. Quer. Deseja. Minto. Sinto-te.

Das minhas torneiras jorram jactos de água quente para me aquecer a pele. Sinto-me a amar-te. Por vezes. Em dúvida. Por vezes.

Nada substitui a escrita. No entanto, não consigo escrever.

Vou.

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