terça-feira, 30 de junho de 2009

Não irei para casa


Imogen Cunningham - Twins with mirror

Existe uma chávena sobre a mesa. E junto à chávena de vidro sobre a mesa, uma mão. Uma mão pequena e gorda pousada na mesa branca ao lado da chávena. Existe um envolvimento entre a chávena e a mão. Tocam-se. Eu olho e penso em tirar uma fotografia. A mão descansadamente largada ao lado da chávena harmoniza com a espuma que escorre no vidro. Mas a mão torna-se invulgarmente feia. Retiro a mão. A chávena isola-se. Perde-se e perde. A fotografia deixa de existir como um momento e passa a ser objecto. É-lhe necessária a mão. Recoloco-a e encontro-lhe beleza. Sim, teria de ser com esta mão. Nenhuma outra mão lhe daria este sentir de gente, de descansadamente cansada.

Tenho sono. Muito sono. Estou cansada. Muito cansada. E fecho a porta de casa sem lá ir. Porque não posso dormir. Porque não durmo. Porque ainda que o corpo estale, e se encolha, e gema, e tropece, a mente não lhe dá descanso.

Satura-me ser máquina fotográfica. Satura-me ser máquina de escrever. Satura-me que o meu olhar dirija ao cérebro mensagens de escrita, fotografias. O corpo ausente e a mente pairando deixam-me esta sensação de ser director de fotografia. Em todo o processo intervenho por minutos ou segundos e saio.

1 comentário:

  1. A memória sem dúvida é uma deusa piedosa. Os ditos "savant", são celebrados pela sua capacidade de reproduzir o detalhe. Talvez por isso, não consigam chegar ao génio. Entupidos pelo detalhe, falta-lhes aquela capacidade do jogador e do artista, para jogar com o acaso e o imponderável. A arte não demonstra exaustivamente, "apenas" mostra porque acredita na cumplicidade de quem a aprecia. Daí o seu mistério. Daí também os eventuais ciúmes, aliás mútuos, da lógica.

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