quarta-feira, 7 de outubro de 2009

sopas dispersas


Charles Gatewood

A minha pele está transparente. Aguarda. Aguarda-te. Dos meus intestinos o mundo quer expulsar-me. Eu comigo dentro. Corro. Sinto o odor do teu cheiro. Intenso. Dou-te uma mão e aguardo que a música comece. Os meus pés dançam parados. E toda a música é absorvida pelo meu corpo. Danço-te. Na sombra. O meu apetite não matarás. Ele vive do alimento e nunca através dele surgirá o seu desaparecimento. Sou uma marioneta. Nas mãos de quem me quiser. Nas tuas. Ou nas dele. Movimentem. Movimentem-me. Da minha boca apenas silêncio e este sorriso. Subo ao palco empurrada por ti. Sento-me. Deito-me e durmo. Empurras-me com um pé. Rio. Poderia gritar mas aprendi a ser domada. E dominada. E submetida. E imobilizada. Revolve-me a pele. E a carne. O restante revolvo eu. A essência. Que te dou e retiro.

Ela quer que eu aponte. Baixo o dedo. Baixo a mão. Baixo o braço. Acontece. Digo-lhe. Acontece. Ela implora-me para que aponte. Baixo o dedo. Baixo a mão. Baixo o braço. Roga para que uma palavra seja dita. Expulsemos os nossos demónios através dos outros. Através dos demónios dos outros. Olho-a. Mas a minha natureza é de entendimento. Penso em contar-lhe que um dia abandonei tudo. Retirei-me da vida e dormi. A minha pele virou cinzenta e as minhas ancas largas encolheram. Os espelhos deixaram de me reflectir e não havia como chorar. Contar-lhe que o meu pai delira e se ira contra mim.

Vou despir-me. E vestir-me. Tenho vontade de ser actriz. Enfiar o corpo num vestido coleante preto e escorregadio. Enfiar nos pés os sapatos pretos mais altos que tenho. Ser grande em altura. Prender os seios um contra o outro de forma a que visualize o rego olhando na frente. Colar o cabelo à cabeça e colocar a peruca morena comprida. Sombrear os olhos de negro e prata. Esticar as pestanas ao infinito. Dar cor vermelha às faces. Matar-te porque me desejas e eu nada posso fazer a não ser esvair-te em sangue e suor.

Existe uma tesão em mim. Esta tesão que me faz andar. E caminhar. E deitar-me numa marquesa. Existe tesão em mim. Sentes? Sinto.

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