terça-feira, 8 de setembro de 2009

bolotas alentejanas


Frantisek Dritikol - Dancers


É uma nudez. Uma nudez. Uma insatisfação à qual sorrio. Não existe cura mas trato-me. As unhas crescem-me. Não as como. Estou em dieta de unhas. Estou em dieta de homens. Estou em dieta. Mentira. Há um silêncio lá fora que entra pela janela. Apodera-se de mim. Eu que danço aqui sozinha. Uma valsa. Uma valsa de silêncio em mim. Vivo esperando um dia. Ansiando um dia. De partida. De ida. De ir. E ir. E estar lá. Lá onde quero estar. Na areia entre os dedos do pés. No sol em mim. No meu corpo largo. Enorme. O meu. O que me pede. Pede-me calor. Sol. Pede para sentir dedos diferentes. Dedos em forma de raios de luz.

Amo-te apenas porque não te pude amar.

Visto-me de preto. Mas na corda tenho o vestido cinzento. E o vermelho. E o azul. Prontos. Prontos. Para entrarem pela cabeça e me cobrirem o corpo. E rio-me. Rio-me de mim. Sou uma desculpa esfarrapada. E faço de ti uma outra. No querer. No querer sentir faço de ti um deus na terra. Tu que és ordinário. Eu que sou vulgar. Mas assim perco-me. É mais fácil. Saber-me perdida é procurar. É tentar encontrar. A mim. A ti que já deixei no caminho. As canas são altas. E eu sou pequena. Sempre fui. Sou vigarista. Vendi-te um sonho e comprei gato por lebre.

O meu filho. Lírico. Da boca palavras bonitas. Daquelas que só leio quando abro o dicionário. Daquelas que oiço de dez em dez anos. Lírico. A ervilha dos monstros negros e das fadas loiras. Das relações caladas. E mal resolvidas. Dos ressentimentos porque são melhores que nada. Dos silêncios porque temos de alimentar as emoções em nós. Dedilha. O meu filho dedilha em mim. E os olhos são profundos. De homem. Se me afasto vira o menino que eu pari. Que saiu de entre pernas. De barba. Já com barba. Ruiva. Brincamos. Sim. Empresto-te as minhas pernas. E a boca. Brinca. Brinca. E chama a ti todo este brinquedo grande. Como se sempre tivesse sido teu. Estranho a virilidade. A do riso. A do absurdo. A mim chamaram-me nomes. Uma gargalhada.

Existem duas almofadas pretas que têm de mudar de posição. Porque uma loira de cabelo escorrido, oleoso, nauseabundo, assim quer. Que seja. Que seja como dizes loira com cabeça de frigideira.

Há sangue entre as minhas pernas. Desenho na face pinturas. Com sangue. Que seca. E parte. E estilhaça. E na música procuro esventrar a carne. Alface, delícias do mar, queijo fresco. Queres almoçar comigo hoje?

3 comentários:

  1. "Dos ressentimentos que são melhores que nada". São. Eu tive que lhe deixar algo para sentir, agora que o deixei.

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  2. Tenho relações de amor ódio com a memória, logo com a palavra. Tento sempre pensar que os meus esquecimentos têm um sentido, velado ou nao, logo também o que recordo. (Freud Oblige) Não tivesse sido o ofício que me era destinado, analisar a palavra alheia, que curiosamente com o passar do tempo, não deixando de ser nossa, passa tambem a ser de quem a leu e pensou. Ou do amigo leitor tão querido a Garrett, nas suas "Viagens na minha Terra".

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  3. Puto. Puta. Palavras que podiam ser vazias. És mãe? São palavras. Gramatomancia. E no entanto cada uma quer dizer algo. Mesmo quando não são ditas. Gramatomancia. É como o sangue que corre e que não pode ser controlado. A ferida não pode ser estancada. E continua a correr. E corre nos lábios e na cara, na barba. Corre já pela rua, deixa uma mancha com aroma a perdição nos estendais. Uma sombra que passa por cima de sonho, um monstro que fica quieto no canto e abraça tudo com um olhar de criança que não pode crescer, o olhar de um demónio que sonha. E o silêncio persiste. Falamos e ainda assim persiste. Deixa-me ter um passado. Um passado com letras soltas. E Gramatomancia. O reflexo do cérebro que pára. Tem cãibras. O cérebro os dedos e a perna. E rio, ris-te também. E Miller segreda-me ao ouvido e fala-me do mito da supercona. E eu saio do útero e da cona da minha mãe e procuro por ela. Eu que sou tão filho da puta sem alma como ele procuro por ela. Mas os olhos já estão cansados. Já não são os meus olhos. São olhos de fome. Fome de irrealidade, do incongruente. Sabes o que é o almoço hoje? Memórias e sangue.

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