terça-feira, 29 de setembro de 2009

Bomba


Mário João Alves Lino

Olha querida, olha lá para fora. O sol nasce sobre todo o nosso horizonte. Nasce para ti. Nasce porque tem de te iluminar. A ti a esses teus caracóis loiros. Olha querida, olha. Olha e devora mais este bife a nadar em gordura. Olha e come. Quero-te monstro. Quero-te enorme. Quero-te imóvel. Sem conseguir andar. Sem estrutura para aguentar o teu peso. Dependente de mim. Como querida, come. Come o que te dou. Tudo o que te dou. O meu afecto em forma de batatas fritas. O meu amor em pudins de leite condensado. O meu carinho em bacon estorricado. Come meu amor. Come. Quero-te grande. Grande como minha mãe. Grande como a deusa mãe dos homens. Grande. De seios imensos onde me perco. Que tento agarrar e se escapam entre os dedos. De mamilos ovo estrelado. De refegos imensos. Descai sobre essa cama. Posiciona-te para os próximos anos em que tratarei de ti. Só precisarás de mim. A mim que te alimenta. E te limpa. E te consola. E te ama. Mas come querida. Come. De forma a que as tuas pernas não dobrem. Os teus braços se afastem do corpo e eu me perca nesse amontoado de carne e banha. Porque te adoro. Porque te quero minha e somente minha. Fotografo-te querida. Memorizo para que possamos ver e rever. O último dia em que andaste. O primeiro dia em que te limpei o rabo. Come minha querida, come. Quero-te dependente. Quero-te minha. A minha montanha. Onde me perco. Onde me perder. Tratarei de ti. Não temas. Amo-te. Desejo-te. Um desejo insaciável de grandeza. De pregas. Pregas que toco e revolvo. Que endireito e lavo. Afastar com as duas mãos uma nádega para que te limpe. Quero ter de procurar em ti o buraco da cona. Ter que me afundar nesse teu corpo. E revolver. Nadar. Em busca do paraíso perdido. Em busca das origens. De onde saí. Por onde entrei um dia em força. Por onde quero entrar para me esconder. És minha. Serás cada vez mais minha. Caloricamente amo-te. Amo-te. Tanto, que não precisarás de nada. Somente de mim. O filho pai. Na saúde e na doença. Na cama. Nessa cama de onde não irás mais levantar. Porque não necessitas. Porque o mundo se deita a teu lado. Come, meu amor. Come. Engole o meu mundo. E o teu. Consome-me. Consumo-te. Come, minha querida. Come. Devora. Mulher gigante. A minha. Mulher mãe. Minha mãe terra.

1 comentário:

  1. Embora incómodo (há partes no texto que limaria), o mesmo é sustentado por uma prosa que alimenta o espírito; um cruzamento de "ementas" entre Chevry e o olhar, por exemplo, duma Paula Rego, duma Virginia Wolf ou, talvez, de outro assunto que me escapa.

    Seja como for, gostei miúda, continua :)

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