terça-feira, 2 de março de 2010

Beringelas recheadas com o que nos apetecer


Diane Arbus

Senta-se no beiral da porta aguardando a moeda. Senta-se no beiral da porta olhando-me de baixo. A mim e aos que me seguem. A mim e aos que me antecedem. Senta-se.

Só hoje reparei como tinha o cabelo comprido. Amarrado atrás do pescoço escorria pelas costas e tocava na cintura. Fino o cabelo. Fina a cintura. Só hoje reparei. Em quantas coisas só hoje reparei? Em quantas coisas hoje não reparei? E ontem?

Abomino donas de casa e fadas do lar. Abomino jantares e namorados. Abomino maridos e convenções.

Leio.

Sentada nuns degraus. Na parte turística da cidade. Sentada.
Oiço.

- Eu não vou deixar de ser rica - dizia com o cabelo apanhado no topo da cabeça enquanto a franja lhe caía sobre os olhos. 
- Nunca. Nunca vais deixar de ser rica. A meus olhos - disse-lhe com o cabelo despenteado sobre uma cabeça que não sentia minha.

Supermercado.
No Sábado fodemos com o Bruno. Lembras?
Não. Eu esqueço o que me traz... prazer?

- As latas de atum?
- Sairam a voar pela janela que estava aberta.
- Lentamente.
- Aos teus olhos.

Vou deixar-te sentar neste lugar. As facas estão afiadas.

3 comentários:

  1. Queria que soubesses que os teus textos me perturbam profundamente. E eu agradeço-te por isso.

    Obrigado.

    ResponderEliminar
  2. O final está brilhante ;) Sugere entregando ao leitor o cabo das ditas! E talvez outro cabo de trabalhos também! A ser lido por colegas e quejandos.

    ResponderEliminar
  3. Xii... Se mete facas é porque a coisa 'tá preta...

    ResponderEliminar