quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Poker de cartas


Shadi Ghadirian


Larga da casa partida. Foge. Vai. Corre. Não olhes para trás. Vai. Não pares. Passa. Passa por esse canto. Por essa rua de casas rosa. Por essa travessa de casas amarelas. Vai. Não pares. Não jogues esse jogo de revés. Ou joga. Joga olhando-me nos olhos como quem não vê. Ou como quem mente. Mente. Sorri e mente. Ilude-te. Não? Não.

Há um gato perdido na pradaria. Acha-o. Beija-me.

Falo-te nos tempos do álcool etílico. Do estômago com fome. E das farturas comidas debaixo de toldos sujos. Falo-te. Ouves? Falas-me de amigos. De família. De tratados de justiça. De bebedeiras de insanidade. Falas-me.

- Regressa por essa estrada.
- Por aquela?
- Não, pela do lado. Essa leva a nada.
- E o que é nada?
- É... não se sabe. Não sei.
- Obrigado.

Vou fazer-te um poema.
Embriaga-me e fode-me. Ou lambe-me. Mas não me deixes a escorrer das pernas.

- Como estás filha?
- Estou bem. E o pai?
- Bem. Pena não teres cá vindo no fim-de-semana...
- Sim... pai. O trabalho... e precisava de descansar.
- A Céu fez língua e esteve cá um circo.
- Sim...
- Pensei em ti. Em como poderias vir cá mais vezes. Não precisas de trazer nada...

- Talvez... numa outra altura pai.

No tempo dos patinhos com rodas existia um homem que falava em Napoleão e nas conquistas romanas. Falava em tesouros escondidos e conventos abandonados. Falava em nós. De uma forma mentirosa. Maravilhosa? Iludida? Adoro-te. Mas não consigo perdoar-te. Como se fosses uma sina. Ou um fado. Ainda assim perdoa-me.

Levo no saco uma fortuna. Na saca que me acompanha quando dobro o braço e ela se encosta às ancas e se movimenta com as minhas pernas. Uma fortuna. Um valor incalculável de... nada.

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